quarta-feira, 5 de maio de 2010

Farewell Post


Eu não odeio despedidas. Mas eu nunca me despedi, porque despedir-se mata a esperança de que o momento continue. Meus momentos continuam sendo eternos.

Hoje cometerei um algumacoisacídio.

Faço isso porque estou voltando ao papel e às minhas bics. Ainda continuo achando um ato de violência o de tatuar folhas em branco sem contorno nem marcação, mas é mais orgânico, como são os meus grunges tocados no violão. As árvores e os meus tristes ouvintes que o digam.

Vou partir e não sei se voltarei. Não me entenda mal, hoje...não, não é carnaval.
Aos meus improváveis, supostos e imaginários dois leitores eu não deixo nada além do que já deixei e agora não tenho mais paciência nem força nas costas para por de volta na mochila. Façam qualquer uso e depois me contem no que deu.

Estarei mais por aqui do que por aí, mas deixarei pegadas. Lembranças aos que virão, aos que irão e aos que estão.
A gente se esbarra em qualquer semáforo pra cantar uma música do Chico Buarque, mas não vamos combinar nada.
Deixa pra esses acasos aí.

Com carinho e sono.

O autor.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Atravessado

Não era minha primeira opção, mas eu escolho a sombrinha pra me equilibrar na corda bamba que é a linha da evolução. Sigo como pioneiro entre os macacos-poetas e desço dos postes da minha cidade. Desço como muitos já desceram da torre de marfim, ainda que com uma mala pesada. E desço a rua.

Quando Davis é injetado dentro do meu juízo pelo fone de ouvido eu sinto que realmente desço a rua. Ao lado de exaustos e depressivos carros em fim de expediente. Se comportam como se estivessem atrasados para chegar onde simplesmente não têm nenhum compromisso marcado, só pra provar que não faria sentido dormir no emprego.
O sinal abriu e todos nós descemos a rua.

Meu passo é incerto porque não piso nas linhas das calçadas, não por paranóia maníaco-depressiva, só por excesso de infância mesmo. Pelo aspecto das construções da minha cidade tive de mudar algumas regras da brincadeira ou senão simplesmente fincaria os pés em algum único ponto imaculado de onde piso e lá criaria raízes e um conto Kafkiano.
Só não piso em linhas intencionais.
Minha cidade ostenta um charmoso aspecto pós-apocaliptico de ruína grega. Tenho escadas para o nada, colunas que sustentam nada, arbustos e trepadeiras que realmente surgem do nada por meio das fraturas da calçada. Nas quais eu piso.
Essa é a roupa da minha cidade. A mesma de um pré-adolescente filho de pais divorciados, que recentemente deixou de ser vestido pela mãe e está para comprar seu primeiro CD de punk. Minha cidade está ficando rebelde enquanto eu desço sua rua.
Por mais que eu ande, nunca chego onde queria ou deveria chegar, pois a música nunca acaba antes que a calçada. O sinal está aberto e isso não é para mim. Eu vejo a luz verde, o fio dos postes e a lua cheia na grande tela de profundidade púrpura. O céu da minha cidade não é uma imensa obra de arte pintada por deus, não. É um ornamento de escritório: bicolor, comportado, de certo requinte e estilo, nenhuma informação. Ocupa uma parede.
O céu da minha cidade não tem estrela.
Me atravessam os ônibus e me pergunto se pessoas valem a pena. Elas têm contas a pagar, lugares a chegar e costumeiramente atribuem-se o trabalho e a capacidade de criar seres humanos. Checam o resultado dos jogos, o dinheiro da passagem, o último sucesso da rádio preferida do motorista. Precisamos comprar, limpar, jogar fora, abrir espaço para um novo móvel e desocupar uma parede e nossas mentes. Entregar presente e encomendas e por obrigação, temos que nos divertir. Em grupos, de forma segura e com trabalho alheio e garantia que poderemos voltar a salvo e a tempo. Tomamos remédios nos horários certos, mantemos os serviços institucionais em dia e nos olhamos nos olhos quando der tempo.
Pessoas não valem a pena.
O sinal fecha e a vida deve parar. Eu atravesso a rua e a vida. Do outro lado, outra calçada, novas esperanças e de volta a minha infância, logo se vê que as regras são as mesmas. Eu desci a rua e cheguei ao mesmo ponto onde sempre cheguei. Os postes se acabam a minha frente e se acaba a cidade, daqui eu nunca passei.
Daqui eu volto.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Velho eu

Se eu guardasse tudo que é meu
não de você mas de mim mesmo.
Eu descansaria minha alma escaldante
num olhar ao sol de cristal

Não teria que pensar
Teria apenas de agir.
E tudo seria perfeito
Eu me guardo e ninguém se machuca.

Você gostaria de ouvir minha voz e toda sua emoção?
Então dê-me os seus versos.

Eu já posso ver
Em um velho eu
Minhas velhas manias
E minha sincera infelicidade.
Agora eu não posso sentir
Tudo o que não uso
Aqui bem dentro de mim.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Assunto

Eu queria me libertar. Voar por ali onde minha vista não alcança. Deitar sobre sonhos que possam me levar pra longe. Distante. Meu cenário se transformará. Ou se não quiser, que apenas eu sinta que não houve nada. Que eu morra buscando meu horizonte perdido nos meus dias igualmente perdidos. E essa vontade cresce e me preenche. Não me conforta. Peço por favor que não me deixe assim. Tempo. Que não acabe antes de ver o que há depois, no fim da terra. O que há além daquela linha que nunca alcanço. Imaginária. Leve e solta. Tênue. Como minha própria vida é. Uma linha apenas. E nada depois acontece, no dia que ela partir, eu desejo. Apenas que não haja mais nada além daqui. Não sei se suportaria o meu bem e o meu mal ali. Eu quero apenas parar de pensar. Ou pensar em algo que me traga uma maior tranquilidade. Eu sinto muito por tudo. Eu não desejei isso. Foi só meu instinto quando eu não sabia fazer mais nada. Correr e alcançar. Desfalecer.

Momento Confesso

Um garoto sentado na areia observando o mar pela primeira vez. Nesse momento ele tem a certeza que seus jovens olhos conheceram uma das coisas mais fascinantes e envolventes de seu mundo. O misterioso, o imponente e sedutor gigante que faz tantos corações baterem de maneiras diferentes e tantas cabeças divagarem em pensamentos diversos e tão profundos quanto o próprio mar.

Enquanto escrevo essas linhas sinto-me carregado de volta ao momento em que a vi com meus olhos abertos pela primeira vez. A sensação de fitar o horizonte, estático, arrebatado, sem sequer saber o que eu poderia encontrar ali se algum dia eu conseguisse alcançar o ponto em que meu olhar estava fixo, sem me importar com a força que as águas me receberiam.

Esquecer de mim nos seus belos olhos que articulam palavras sedutoras melhor que quaisquer lábios e que são tão ou mais indecifráveis e atraentes quanto o famoso sorriso italiano que repousa no Louvre foi, e sempre será, meu refúgio. Minha fuga nas noites insones, subterfúgio da minha mente inerme que perdia batalhas e batalhas para meus problemas e transtornos. Não que eu tenha me tornado prole de Palas e esteja com um arsenal invasivo e preparado para vencer ou perder qualquer guerra, agora eu simplesmente declarei paz, não preciso mais temer a escuridão de forma pueril.

É um anjo desenhado na mais bela mulher. A alegria projetada em um sorriso magistral. A ternura figurada no mais penetrante olhar. A segurança entrelaçada no mais envolvente abraço. É o Éden alcançado no mais estonteante beijo.

Quando ela caminha em minha direção tento manter a calma, mas minha postura vacila no momento que meus olhos encontram a silueta dela, caprichosamente desenhada à mão por Deus com seu nanquim divino, enquanto não pareço mais que um esboço de gente ao lado dela, fico com a impressão que deveria sentir-me pequeno, mas acabo me sentindo o mais orgulhoso e realizado dos homens por tê-la em meus braços. Nesse momento assumo: sou altivo, arrogante e convencido, tudo isso em um pecador só, pois tenho plena certeza que trago essa rosa tão almejada ao meu lado, transformando-me, de pecador ao mais dedicados dentre os jardineiros.

Uma mistura de sensações, onde um encanto completa o outro em um deleite comparável a uma miscelânea de drama, comédia e romance. A ficção se torna realidade nessa compilação humana de sensações inalcançáveis por palavras ou gestos. A mulher que não quer ser idealizada se torna ideal para o sujeito que nunca idealizou relação nenhuma e agora está em busca de redenção. Redenção essa que é apoiada, sustentada e incentivada pela voz suave que eu tanto aguardo todos os dias e que me tira dos eixos, me arranca as respostas e trava qualquer reação, sou vulnerável como o mais importante guerreiro de Ilíada é frágil em seu calcanhar, entretando, não temo nenhuma flecha traiçoeira, pois pela flecha mais poderosa de Eros já fui atingido e eu quero que essa ferida não cicatrize jamais.

Sua voz ecoa na minha cabeça e se espalha no meu coração. O amor preenche os espaços antigamente vazios ou feridos substituindo meu sangue com a essência deste que é o mais puro e enérgico dos sentimentos, você está vivendo sob a minha pele, enraizada em um lugar que não sairá nem quando as trevas iluminarem caminhos ou a luz do dia anunciar o fim das eras em um mundo virado às avessas.