segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A verdadeira culpa

O eu-lírico levantou para beber água na cozinha
e ficou lá de papo com a Creuza
enquanto isso a caneta foi, e contou tudo.

Não tenho sono

... tenho tédio. aliás nem tanto. acho que só tenho dedos, livros e um violão ilegalmente apropriado, afinal. nada muito funcional feito uma falência múltipla de apressos.

não obstante

dedico-me ao travestir desse anafórico desejo de folhear um dicionário de charmosos verbetes anacrônicos. pra te tirar uma canção de uns três versinhos ao pé do ouvido. alinhavar uns três acordes entre o ré com sétima e a pista da rodovia. meio dia, olhando a vida pedir carona
, resguardando nossos opositores sujos de graxa, areia e chocolate derretido.

domingo, 27 de dezembro de 2009

O Tambor

"Também me asseguram que é bom e modesto começar afirmando
que um romance não pode ter herói
porque se acabam os individualistas
porque a individualidade pertence ao passado
porque todo homem - cada homem e todos os homens igualmente -
está só e sem direito à solidão individual e constitui uma massa solitária
anônima e sem herói."

Gunter Grass.

Menos Bukowski

O vinho acabou, a música parou, o relógio caiu.
E, por fim, o José foi embora. Já não era sem tempo.

Eu queria ser outro, completamente dessa vez. Menos Bukowski, ler mafalda. Tocar estrelas e não cortes. Mas eu espero. Juro que quando tiver um jardim, eu terei mais aforismos. É que nem toda canção é feita para ser bela. Até lá, esbaldemo-nos em tanta feiura, que eu não quero o que é bonito, mas o que é inteiro. Nem o que é certo, e sim o que é sincero. Você vai sentir uma picada. Por isso me diga como vai a família, como foi seu dia e, por fim, como vai essa dor. Se for aguda, como um chute na canela, se verterem lágrimas dos seus olhos, verterão dos meus, se você sorrir, como eles sorrirão, eu recebo meus aplausos, mas se você cantar, como poucos cantarão, então bem-vindos, minha senhora, meu senhor.
Ao mais encantador dos shows de horrores.

Foguetes

Esperando pelos gritos numa casa de bolhas
apenas bocas, que eu tenho fones de ouvido.
indeed - eu não ligo para os bloquinhos
se eles não vierem caindo do céu em cores que não combinam.
Mas antes que os foguetes achem planetas
eu quero saber se os pecados ainda contam depois que perfurarmos a parede desse abaloado azul.

-cuz' we're out of your jurisdiction, pal.-
e como eu faço para me alistar nos space invaders.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Nanquin e borracha.

Eu queria um recomeço, ou mesmo, viver uma vida de papel, escrita a lápis, pra não ter de afogar pessoas ou lugares em tóxica tinta corretiva. Mas pessoas e lugares estariam a salvo. Pessoas e lugares primeiro. A borracha suja que tentei usar é que me torna esse borrão que sou, movendo-me entre todas essas obras de arte. Meus contemporâneos, outros borrões, aparentam simplesmente felizes em sua falta de forma, leia-se neles: liberdade.

Eu não nasci para ser borrão.

Eu me tornei um por ser um desenho mal planejado desde o início. Eu tentei me apagar e tornei-me livre, leia-se: marginalizado. Agora eu tento me apegar às obras livres, quando elas não percebem que sou uma mera imitação acidental. Aprendo tardiamente a poder subir por sobre os carros e gritar frases de efeito. No meu caso, efeitos desconexos. Aprendo a poder enviar poemas em mensagens de texto a vultos que passam pelos frames da minha vida (diga-se: existência). Aprendo a poder ser desnecessariamente indiferente ao meu próximo
bíblico, aqui entenda-se: você, e a reservar espaço no meu coração borrado a qualquer que me escreva um bom dia um pouco mais colorido. Aprendo a poder, porque posso. Ainda que precise visitar cadafalsos e decidir se faço porque posso ou se fico onde cheguei, meu atual estado civil de apego, que meu ser desforme me dá a desleixada e perigosa liberdade de chamar de amor. A liberdade de uns magoa o coração saudável daqueles que puderam ter em seus desenhos, uma arte-final, onde eu vejo princípios e outros vêm limites. Meus contornos vieram falhos, minhas certezas me escapam como seu suco de laranja de um recipiente sem fundo, onde eu colocaria coca-cola.

A ordem das coisas

Eu vou te esperar no quintal
de pernas cruzadas sobre a grama molhada
que eu não fiz questão preparar para outros além de nós três,
onde tudo é tão à vontade

Depois de tudo,
quando nada mais desse mundo restar,
minha imagem sobre a grama, pernas cruzadas e camiseta branca, olhando para um bebê e para a íris dos teus olhos por através de uma lente qualquer,
não trará nada além de nostalgia a um cósmico alguém
pós-apocalíptico.


Eu vou te esperar
e você vai nos ver aprendendo a andar emoldurados pela janela
enquanto a água condensa na parede e meu pão com manteiga esfria no pratinho branco.
Ela vai gostar que tiremos as bordas do pão e é por isso que te esperamos.
Apenas num futuro muito distante não entenderão meus lábios quando eu,
ao te vir distraída
nos espiando pela janela embassada de água do café e orvalho da manhã, disser:
- Eu te amo.

Enquanto o passado se repete dentro da caixinha,
contando dias e viagens para os valores sentimentais que guardarmos nas coisas,
numa gaveta esquecida dentro do quarto ainda desarrumado.
Enquanto nossos três risos o desarrumam mais ainda.
Rolando sobre a cama, fingindo fugir das cócegas, ecoando pelo corredor e voando
feito pó pela janela.
O céu vai esquecer que um dia foi azul,
ser de uma infinitude branca que abraça o mundo
nos deixar dormir em plena manhã nublada do dia que quisermos que seja.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Um passo

Vivendo e andando e fugindo e saltando
subindo
descendo
ficando
ficando

ficando.

mantendo.

aqui
eu não penso mais
eu páro
estaciono
estagno

projeto, trabalho, dinheiro, amor
suor, suor, suor
e dor
o tempo passa
o tempo passa
o tempo
tem...
passou
eu parei
ele parou:

- Você vem sempre aqui?
- Eu estou sempre aqui.
- Sempre estará?
- Sempre.
- Eu não volto, você fica?
- Fico, sempre.
sempre...
a primeira vez
a única vez
você ouviu amor
única
última
a próxima será outra
outro amor
outro começo
outros corpos
você
o outro
um entremeio
eu
entremeio
outro
você
sempre, agora e nunca mais.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

É só delírio

Palavras de loucura soam melhor em silêncio. Palavras e loucura e pensamentos não combinam com meu vestido amarelo. Essa loucura toda só me deixa a deriva em volta do que eu realmente quero. E quando quero nem penso. Me jogo. E como boneca de pano... Bonecas de pano sempre sobrevivem a queda. Costuras e remendos e velhos olhos novos. Estou pronta para um novo início feito de retalhos encardidos. Porque tudo me parece um grande ciclo. Uma grande roda gigante enfeitada de luzes de cores profundas... ou talvez sejam só meus olhos que se aprofundam em cores e luzes. Elas parecem mais interessantes desfocadas. No meu enfoque desfocado. Luzes são profundas e cores num mar de luzes.
E voltamos novamente a loucura. Aquela que se escorre sobre mim. E que me faz sentir assim. Ou quem sabe seja só eu tentando fazer sentido em algo. Perante um todo sou apenas mais uma a andar na contramão. São muitos os estranhos assim como eu. Diferentes de mim. Em contradição a contramão é só mais um caminho a seguir. As roupas minhas guardadas em um guarda-roupa desconhecido. E o meu cheiro no pescoço de um homem que nem sequer sabe o meu nome. O meu perfume não é meu. As minhas roupas estão na vitrine e quem quiser pode ir comprar. E é claro que a vendedora não irá mencionar o meu nome. Não me usará para fazer uma propaganda. É para isso que servem as modelos.
Embora eu seja mais uma. Fico com esse ar de ser diferente. E escrevo como se fosse diferente. E me comparam com um ou com outro. E dizem que minhas frases são adaptações de um terceiro. E eu me esforço, porém acho que é realmente em vão. Até tento falar diferente. Mas a maneira que falo me denuncia e me coloca no meu grupo de estranhos comuns. Embora ache que não pareço muito com eles, insistem em dizer que sim. E quando digo que não, escuto mais vozes dizendo que não. O sim. O não. Não há escapatória para mim. Sou alguém. Mais um alguém a fazer parte disso. Mesmo que não queira. Outros também não querem.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Escuta

Grande, monstruoso amor
desentendido, despedaçado.
Permanecestes sozinho em muitas viagens na vida.
Caminhas sozinho em muitos caminhos da vida.

Eu posso dividir meu segredo com você se disser em qual das minhas mãos ele está. Qual dessas duas mãos sempre tão cheias de dedos, que dedilham fios de cabelo e fios de navalha. Sangrando o mesmo sangue e tocando os mesmos acordes. O mesmo arpejo que resume a vida.

Menos segredo ele será. Nosso segredo a dois
nos torna um
e incompleto. Mas antes de ser eu,
sou o outro.
Quando você não me tem por inteiro - me des-inteiro - me desfaço, desintegro, despedaço. À deriva minhas peças de quebra-cabeças flutuam dentro de bolhas de sabão e me remontam pelo que eu quero te ser. Eu, esse monstro de costuras aparentes, sentidos hipertrofos, trocando pares e pedaços como numa dança de grandes salões.
Sem segredos, nos completamos, você a mim e eu ao nosso amor, até que indolor verdade leve-nos a nossas posições. Sem pares, sem peças, sem existência.

domingo, 6 de dezembro de 2009

A viúva

Ele te deu flores e te pediu que calasse em silêncio. Ele te pediu flores e em silêncio desceu. Calou. Trouxe-te dores. Teus soluços ecoavam. Teu choro é como chuva em noite silenciosa. Tu deitas por cima do peito dele. E posso ver que ele não chora. É estático. Imóvel como deve ser. Ele desce. Posso sentir tuas dores no teu silêncio. Entre as flores que ninguém comprou. Uma viúva sem vestido negro. Uma viúva que engolia o choro. Esquece que não se chora com a boca. Então lágrimas sempre descem. Sempre salgam bocas alheias e próprias. Boca salgada com batom de cereja.
Dos outros as dores não importam. Não há ninguém ali mais perdida que tu. Aos meus olhos os olhos alheios não são nada. Os olhos alheios não te conhecem como minha boca. E tua boca me fala palavras soltas. Nenhuma faz sentido. Nada ali é sentido para mim, além do teu choro. O choro alheio é apenas barulho ecoando. Um coro. Uma canção que tu não cantas. E se não cantas nestas noites. Não quero escutar mais nada. A voz alheia é só parte do cenário. Assim como aquelas flores.
Flores molhadas me lembram o cheiro do teu cabelo. Ou talvez, eu queira te lembrar desta maneira. Com cheiro de flores que caem em túmulos alheios. Cemitérios a parte, sempre me interesso por tragédias. As alheias são as melhores. Principalmente molhadas com lágrimas tuas. Teu soluço a me fazer um alguém a mais. A te consolar um homem maior. É quando tu choras que se inclina sobre meu corpo. E eu não posso negar mais. Não vou me negar mais. O teu choro alimenta o meu egoísmo em enterros alheios.
Alimenta-me com sensações de poder absoluto sobre mulher frágil. Com sensações de mulher frágil sobre homem absoluto. E somos todos adultos. Nossas regras que desenhamos. Linhas que flutuam em músicas descompassadas de uma banda qualquer que toca. Sou eu a segurar essas linhas e essas regras. A puxar o teu cabelo e te consolar em meu ombro. E a pedir sutilmente que durma comigo esta noite.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Idioteca

Parando assim para olhar pra cima eu percebo - já não fazia isso tinha um certo tempo. O céu ainda tem a marca dos fogos de dia desses, as manchas coloridas na tela preta, as naves alienígenas fazendo treinamentos acrobáticos e eu me pergunto se isso deixa os americanos em alerta. Mas só acho mesmo que eles só estão se preparando para o dia da independência de alguma coisa lá do planeta deles. O meu melhor amigo, um modelo X-114, bebeu demais, não acho que ele vá acordar ainda hoje. Ele odeia que eu chegue perto da janela, o psiquiatra já me explicou que faz parte da paranóia cibernética dos últimos anos. Esses modelos têm trabalhado demais, é fato. Dia raro esse, de sentar, beber e jogar war. Eu não tenho mais ninguém. Oficialmente, na verdade, eu não tenho ninguém. Nem acho que iremos viver o suficiente para ver atribuírem alma aos 114 ou outras peças. Demoraram do mesmo jeito com os animais, as mulheres, os negros, o mickey. Um dia, com certeza. A Joana falou disso quando foi embora, eu não devia me apegar a esse tipo de amizade. Agora eu não tenho mais ninguém. Ele trabalha demais, eu sei, mas me traz sanduiches e não faz perguntas não operacionais. Nós temos evitado falar das versões atualizadas. Odeio lembrar que o Frank é Beta, que eu vou ter que procurar um emprego, trabalhar para nos sustentar, ser o homem da casa e tudo mais. Sabendo do perigo que é deixar meu querido sozinho. Sempre me lembro de como foi horrível aquele dia da limonada, a marca de tinta do "Beta filha da puta" que ele escreveu na testa antes de beber todo o copo nunca saiu toda. Não foi muito depois da Joana ir embora com um grupo de zumbis de circo. Ela disse "vem comigo" e eu não fui, eu não podia ir, nem era pelo Frank, não. O Frank é só um X-114 Beta. O meu problema é com esses mortos-vivos. A gente esteve lá, a gente viu que não há nada, mas eles insistem em querer fazer sentido, ter um propósito, essas coisas de quem ainda se ilude com o pós-vida. Sair por aí levando a alegria para as pessoas, carpe diem, frase de efeito e... porra...circo? Mas eu não sei se estou muito mais certo em sentar e morrer de novo, enquanto meus dentes - digo efetivamente - caem e minha pele definha, sem metáforas.

Eu não fui com a Joana e não foi pelo Frank nem pelos zumbis e o pó de arroz ou os malabares. Eu até ria quando um braço voava junto da bolinha, eu não fui porque tenho medo. Medo e preguiça. Dessa coisa de viajar em estrelas cadentes, de fazer sexo num motel na lua, de passear por cidades metonímicas e discutir o clima sentado na calçada com entidades divinas. Ela me manda postais de vez em quando. Num deles a Casa branca é de fato um país inteiro e os Smiths são realmente vários homens e mulheres chamados de Smith.
Estranho a campainha ainda não ter tocado. Meu vizinho sempre vem me pedir gelo a essa hora. Vestido naquelas ligeries, apertando quilos e mais quilos de gordura suada e peluda. Eu até gosto dele, esperava que hoje ele viesse com uma daquelas máscaras de sexy shop. Nada até agora.
O céu está bonito, mas sem novidades, a cidade se movimenta por entre os arranha-céus, se confunde e nos confunde, a que aresta nós pertencemos nessa roda viva cheia de neons e rachaduras nucleares. O próprio diabo entrou no mercado publicitário e se esforça pra manter uma boa relação com os que frequentam seu pub, pode-se vê-lo cumprimentando afetado os mais assíduos. Merdas acontencem, e aos montes, e a céu aberto e em tecnicolor francês. Vê-se por aí os olhos e camas de gato nos cartazes dos cinema, se é que você me entende. Talvez o Frank tenha razão, talvez a Joana tenha razão, talvez meu vizinho. Certo, então. Eu vou ao quarto e provo algumas calcinhas deixadas pra trás, uma branca, elástico rosa, sem rendinhas com um arco-íris estampado. De frente ao espelho eu espalho pomada branca pelo rosto. Eu caminho assim até a cozinha e espalho molho de tomate ao redor dos lábios, expremo cinco limões, duas colheres de açúcar e duas doses de vodka falsificada. Frank, meu querido, você sabia tudo, só não sabia a receita. Um brinde a Joana e aos Zumbis felizes do reino encantado. Você vai beber, lata de sardinha, vai beber tudinho. Isso, assim,
apague esse stand-by,
deixe o uniforme
e deite aqui comigo,
você ganhou peso, Frank, andou comendo fora? A culpa é toda sua seu beta filha da puta. Fique assim,
eu quero sentir seus fios desencapando.
Você gosta não é seu sacana? Adeus, Frank. Me desculpe. Não podemos ser eternos assim, não podemos. Me desculpe. Mas aqui tem coisa demais que nós nunca nem vamos tocar, vamos pôr uma música e dormir, Chopin? Está certo, não há nada onde você está indo, assim como não havia quando eu fui, não se preocupe em me esperar. Só me abrace, Frankzinho sua merda enferrujada de semên. Me abrace e termine de morrer.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O idiota

Depois de muitos outros, o idiota sobe ao microfone, não senta no banquinho preto, fixa o olhar na luz do holofote e tateia a eletricidade no microfone.

Boa noite - E leva um choque - Ah...porra... Er...Eu...eu me lembro bem de estar aqui.
Sim.
Eu me lembro bem de estar aqui e em todos os outros lugares onde eu poderia estar agora. Tenho essa sensação faz um tempo, não sei quanto não, mas eu não tinha ela quando era criança. O idiota baixa os indicadores, que encontravam-se erguidos ao lado da cabeça. Relaxa os ombros como quem desiste.

Muitas coisas me são assim. Eu sempre estive me perguntando se acontece com as outras pessoas. Não só com alguém mais, eu me refiro a todas as outras pessoas. Eu me refiro, por exemplo, ao momento exato em que eu percebi que existia. Vocês devem entender, essa coisa de existir e tudo mais. Tinha cinco anos e olhava para o chão, ouvindo a voz de alguma das minhas tias falando pra minha mãe. Era alguma coisa que eu não deveria estar escutando, mas que ninguém fazia muita questão de poupar dos meus ouvidos porque eu não entendia. Mas aí me vem novamente. Eu não entendia e ainda assim tinha aquela intuição, que hoje me é óbvia como conceito e não apenas instinto, de identificar segredos sem que fosse pedido para guardá-los. Alguma coisa que me faria chorar depois de esfaquear alguém ainda que por isso me viessem aplausos num vento que deveria me trazer reprovações. O idiota move os pés e balança o corpo, inquieto como se alguém contestasse uma certeza. Porque saibam, o que me impede de quebrar seus pescoços...reergue os indicadores - O que me impede de sair por este salão pisando suas cabeças e estuprando seus homens e suas mulheres não é, sob hipótese alguma, o medo daqueles guardas, não é de nenhuma forma o medo de sentir seus sapatos pressionando minha boca ensanguentada contra o chão. Muito embora seja isso que o que irá acontecer e muito embora eu toda a dor que disso virá, não é nem de longe esse temor que me impede. É... eu não sei, outra coisa.
E é disso que eu estou tentando falar, não são os fatos, não é o medo de estar sozinho. É a dúvida, minha vontade de ser qualquer outro e noutros corpos sentir inalcançável coceira na sola do pé, a TV ligada ainda que muda e sem imagem, a capacidade de se saber que está sonhando ou de criar mundos e episódios nas sujeiras das paredes, o espasmo da lembrança de um momento de vergonha, passar horas vendo nuvens brancas no céu azul e esquecendo todas as descobertas sobre o sentido de se estar aqui...
Não me basta que alguém levante a mão e diga já passei por isso, a não ser que esse alguém também possa trocar sua alma com a de meu corpo... O idiota baixa a cabeça e fecha os olhos, sob o palco a platéia entorta bocas, balança cabeças e troca olhares comentando a uma suposta obviedade em tudo o que foi dito. Um próximo sobe ao palco, senta-se e entrelaça os dedos. Sente envergonhado o calor da forte luz branca em seu rosto.

então senhoras e senhores, boa noite...

sábado, 21 de novembro de 2009

Vida de bolso

Quando saiu de casa tudo que queria era um cachorro quente
e a TV mandava nunca mais jantar.
Não tenho desses dias que se passam em fotografia
do pôr-do-sol
e certamente não duro mais de um mês ouvindo Tom
Jobim ou Zé.

Saiu de frente pra um apartamento, emprego, filho
casamento,
e num domingo - dessas horas tão mortais - foi se hospitalizar

E então minha melhor amiga vem a ser
a máquina de hemodiálise
mas entre tantas vidas que se lê
não sei nem quando eu vou voltar
E entre raios e estímulos - tão vitais -
eu peço um disco voador
e eu não desço mais.

http://vidadebolso.blogspot.com/

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Relógio biológico

Abro os olhos pela manhã e por vezes, não consigo mover-me. Você entende que sua alma precisa sair de você. Mas que por vezes você acorda sem dever. Assim, sem querer. Apenas não se mexe e o seu redor parece tão imaterial, como se de fato o fosse. Hoje eu simplesmente levantei e fechei o quarto por mero reflexo, como que por curiosidade, acuamento. Uma primeira chance de me proteger. E eu a tive atrás da porta, imóvel e gélida. Indecisa. E eu não podia fazer, sentir. Não podia. Por ser tudo tão vazio, pela primeira vez entendi meus 55 kilos em 1,70 de altura. Ela é dez vezes mais pesada. Mais forte do que se verá no meu caixão. Eu entendi a textura da paredes, entendi o frio dos lençóis, mas não, não senti um só calor, nem da minha cama, nem do poema de Dickinson naquele livro aberto sobre ela. E eu a ouvia atrás da porta, volátil. Cada tic do relógio era apenas a deixa do tac, esse minuto, uma repetição do sessenta segundos anteriores. Meu estômago vazio, como nunca havia estado, de um estranho vácuo. A ser preenchido pela mais saborosa massa ou pela mais insossa pedra, sem perdas nem danos. Percebi que poderia estar perdendo os entes mais queridos das mais violentas e desesperadoras formas e podia ser o culpado por todas elas. Repetiria o ato repetidas vezes sem perdas nem danos. Sem remorsos. Mas tinha calafrios ao imágina-la atrás da porta, estática e impassível. Quando cortei minha pele, houve dor, sim. A mais aguda e sincera dor, o mais vermelho e primitivo sangue, ainda assim, cortaria quantas vezes achasse conveniente. Já não entendo o porque de ter fechado os olhos, mas só quando os abri, senti os ferimentos, com toda a culpa e vergonha. Com todo o calor, como se aquele arrepio de sentí-la do lado de fora fosse algo de uma distante noite passada. Tive instintos e desespero ao ver todo aquele sangue derramado, a vontade de que aquilo nunca mais ocorresse, o medo e a curiosidade por aquela completa ausência de sensações, algo que só agora percebia. O torpor. Precisava de janelas abertas, algodão e álcool, esparadrapo e acima de tudo, o toque e calor, o cheiro de outro ser, outro corpo, outra alma.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Doce Enchente

Um cheiro doce. Uma nuvem. E uma menina a brincar na rua. Na lama a identidade de alguém escorria. E era noite como todo dia. Uma lua. Uma chuva ali. A casa dos ratos fora destruída por enchentes. E uma família qualquer dormia. E a menina girava ao redor de uma árvore. As memórias de um alguém cambaleavam. Enquanto choviam doces na rua. Ou escorriam pelas calçadas. Um caminhão tombara horas antes ali. Havia doce demais pra alguém se lembrar. Já era tarde demais pra alguém se importar.
Uma rosa girava ao redor de um pequeno monte de lixo. Tentava cantar. Tentava dançar. Girar. Girar. Até alguém vomitar. Vomitaram as lembranças e ela parou de girar. Já não fazia sentido. E a rosa que segurava sua boneca, achou no lixo explicações para a chuva. Era apenas fantasia de uma menina de rua. Era apenas uma boneca com os cabelos desgrenhados. Aquela de olhos arregalados e boca cerrada. Aquela que podia se chamar Lorena. Luana. Letícia. E ninguém saberia.
Uma a mais. Uma a menos. Pedindo esmola. Sujando as ruas com seus passos. Enchendo a cidade. Com pés descalços. Com pés sangrando. As ruas sujando. Ninguém limpou suas fraldas quando nasceu. Nem ela chorou por isso. Nem haveria porque chorar. Era uma menina grandinha saberia suportar o próprio peso. A falta de peso. Magricela. Olívia. Olga. Alguém que ela fantasiava ser. Menina. Mulher. Carregava a filha. A boneca que tinha nome. Que era mais alguém que ela própria.
Olívia. Lorena. Letícia. Olga. Luana. A menina girava e tentava se entorpecer com o cheiro do álcool alheio. Com a cidade fazendo sombra e se inclinando sobre ela. Era como se fizesse parte daquele cenário. Um prédio. Uma árvore. Algo que não falava. Gemia. Sentia. Uma boneca carregando outra mais humana. A cidade lhe ouvia. Os seus grunidos. Os prédios rangiam. Respondiam. E ela seguia dançando. Andando. Balançando o corpo até ele pender em algum canto.
Parecia feita de pano. Concreto armado. Janelas de vidro. Prédio tão alto que não arriscaria olhá-lo por tanto tempo. E tempo correndo em forma de dinheiro, quando era dia. E a cidade inteira se enchia de papéis. Panfletos ao chão. Mulheres produzidas. Em larga escala. Em série. Andavam. Pessoas esbarravam no seu corpo e nem sentiam. Pois o tempo corria. “Parar é desperdício. Cada um tem seu ofício.” Homens de gravata. Mulheres perfumadas. E ela tão desgastada estava. Vestido velho demais pra se encontrar em vitrines.
Os seus dias não passavam. Ela não saberia seus anos. Nem o ano em que estava. Os sapatos já apertaram. E ela os jogou numa esquina. O vestido já não era longo. Mostrava suas pernas finas como galhos. E ela girava como folhas. Com o vento passando. Seus dias voando. Inconsciente. Inconsequente. Inconsistente. Envelhecia. Criava rachaduras. Sorriso amarelado. Unhas quebradas.
Ana. Paula. Joana. Carolina. Ela não sabia ao certo. Nem nunca saberia. Morreria. E todos ouviriam em um canal qualquer. Aquela seria apenas mais uma Maria. Uma Maria que escorria como chuva em telhado. Uma Maria que se derramava em noites que choviam doces. “Enchentes sempre causam acidentes”. Mas ela nunca aconteceu.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Meias limpas

Você vê que nós construímos um deserto aqui, certo? Eu entendo que ele não é lá grandes coisas, mas ele é nosso. É dessas coisas pra se carregar no peito e fazer uma oração:

"Querido Senhor, este é o meu deserto, não faz jus ao reino dos céus ou terra, mas é meu".

Entendo que é apenas um monte de nada, sem razão, sem significado, mas muito foi dito aqui para que se tenha chegado a isso. Verdades foram ditas. E só a mais pura verdade para criar um abismo tão grande entre nós. Agora os dinossauros já têm onde caminhar livres, onde eu me encerro e você toma a vez.
Pode ser que seja apenas comigo, talvez seja por alguns sonhos, talvez os sonhos sejam por se ser o que é. O fato é que eu tenho vivido constamente num quadro de Monet, sob esse imenso céu de baunilha, com o meigo conforto que me traz ver meias limpas. De forma estranha eu começo a me personalizar, assim, de forma a ficar bem, me resumir, me pôr no meu lugar. Ao longo de todas essas paradas e terminais, em meio a todos esses que me ouvem ou que me falam. Eu não me preocupo por não levantar monumentos e imensas torres, nem em encher olhos, especialmente esses olhos que me olharam durante toda minha vida e ainda assim não me vêem.

Eu acordo aos sábados de manhã e minha cabeça ainda não envia uma mensagem automática para que eu procure meus sapatos, mas eu sei que isso, mais cedo ou mais tarde, não será mais problema. Assim como nessas paradas e terminais, eu irei apenas andar. Para o trabalho, para o acidente, para um outro plano.

Relendo as mensagens nas contra capas dos cadernos, eu não sinto mais a dor de antigas quedas. Eu vou apenas perdendo as sensações, perdendo as reclamações, ignorando todas as minhas visões, por fim.
Construindo meu deserto.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Cadeias orgânicas

Desenhe uma linha em um papel colorido. Não se faz uma grande viagem sem um primeiro pequeno passo. Escute uma canção e espere. Uma verdade irá simplesmente pular do alto falante e surgir a partir de nada aí dentro dessa cabeça vazia, como se fosse sua, como se sempre houvesse sido.

É assim que eu tenho me complicado, me engulido, me descarbonizado. Em moléculas largas demais. Sabia que andam explodindo coisas por aí usando seu lava louças? E eu ainda não consigo me dedicar a nada, assim como quando nos beijávamos. Você diz o que diz e eu não entendo o que queres dizer.
A verdade é que penso conhecer minha metria de um jeito displicentemente razoável. Revoltantemente satisfatório. Os relevos não tem se alterado de forma geral, mas minhas depressões aumentam e fazem sumir as planícies que tanto me desejam ter.
Complicando, engulindo, descarbonizando. E no decorrer sente-se como morrer dentro de um sonho. Em moléculas que chegam a me levar retalhos da pele. 3 x 4. Reconstruindo, eu acabo por me constituir do que tiro do chão. E ponho na boca. E devolvo pra rua em pedaços grandes demais. Mas tudo que é sólido se dissipa no ar. E eu me pergunto se acordo com alguma coisa a ver com isso.

O Joãozinho acordou mais cedo hoje, assim sem motivo. Em pleno domingo. Andou pela rua levando nas costas, dentro da mochila, a sensação de que o apocalipse havia tomado palco enquanto dormia. O que não pareceu nada necessariamente ruim, o sol era claro, mas ameno, as pessoas eram poucas e sonolentas, mas simpáticas. Decidiu que queria comprar pão e pediu dez, descobriu que a cafeteira hospeda baratas, mas não alarmou nenhum dos intelectuais. "descoberta a origem das estátuas de páscoa", "10 maneiras de qualquer coisa", a primeira página e as notícias de futebol. Era domingo, mas só porque o jornal parecia mais espesso. Não tinha nada a ver com a falta de compromisso nem com o simpático clima de apocalipse then. Na vontade de não voltar para casa acabou por voltar e ligar a TV. Era domingo, de fato. Passarão tempo e espaço. Segunda feira. mais tempo, mais espaço. Problemas, pessoas, um sonho aqui, outro ali, outro domingo. Mais alguns continuuns e dormidas e Joãozinho morrerá, não faz diferença o porquê. Renderá algumas conversas, talvez até uns constragimentos. Agradece-se por não haver uma camisa com foto nem coisa do tipo. Ele tem uma conta bancária que será difícil de encerrar, mas não deixará dívidas. De promessas não cumpridas ficarão duas: uma bicicleta nova e um jantar à luz velas, a última bem antiga. E todo mundo dirá que o Pedrinho é a cara do pai.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Portas giratórias.

Pronto Freddie, já podemos dizer o que quisermos agora.

Com todas as luzes apagadas e ninguém mais aqui, eu acho que já posso contar o segredo: nada é certo. A eternidade dura o tempo que se leva para falar dela. E eu não digo por mim. Eu já empilhei os discos e os sacos de areia. Digo por você, que ainda vive os dias, lugares e pessoas, uns após os outros. Lembro de ter ouvido muitas estórias de mais de quatro cantos. Me corrija se estiver errado, mas eu acho que aquelas pessoas fazem parte de mim tanto quanto qualquer um de vocês. Aqui dentro não faz a mínima diferença. A quem você acha que eu pediria conselhos se eles me servissem de alguma coisa, às suas bocas e línguas e dentes? Está tudo aqui, muito bem guardado. Eu posso ouvir quando bem quiser e, deixando só entre nós, o que eu bem quiser. Aqui, desse jeito, eu acendo uns e os deixo queimar. Só pra trazer o clima. Agradeço a sua visita, sinceramente. Mas te reservo o direito de ir embora, quando quiser e de certa forma, como quiser. É uma maneira de não ter de te mandar sair sabe? Assim, dizendo, brigando. Levando a culpa.

Mas enquanto estamos aqui, vamos dançar. O Disco do Medeski é o que eu tenho guardado para as visitas ultimamente. Você escuta o que quiser em casa, talvez numa outra visita, mas aqui, eu quero Medeski. Sabe, eu realmente acho que existir é como dançar aquela música da casa de bolhas. Um belo dia você acorda e aperta os olhos contra a luz do sol direto na sua cara, "Seja bem vinda, pessoa qualquer...mas que você está olhando?" E não há tempo para se entender muito porque sua mãe quer que você consiga um bom emprego, então você pisa as cabeças que conseguir até alguém pisar a sua. É uma pirâmide humana e melhor se segurar onde conseguiu parar, dar as mãos a quem está por perto e esperar que o próximo a cair seja o dono do pé que suja sua bela roupa de natal. Que bom, ele caiu. E você não sobe simplesmente porque está de mãos dadas demais. Agora me entende a porta de saída aberta certo? Muito bem, segure-se quem puder, e é melhor fazer rápido e mais rápido porque o papai pode ir-se daqui a qualquer momento. É, mais rápido, ninguém disse que criar três filhos seria fácil. Rápido, a sua garota está grávida e o seu marido acabou de perder o emprego. Rápido. Você tem um feixe de luz a pegar. Rápido, ou o sangue dessa cidade vai escorrer para fora dessas antenas. Rápido, mais disso aqui e mais daquilo lá, porque temos que ver a transmissão ao vivo antes que o mundo acabe mais uma vez. Rápido, amor, mais rápido, mais forte. Porque se você perder o ritmo, no próximo acorde você cai.

E a mão que seguramos, ela nos solta. Sim, ela solta e você não vê nenhum dedo entre meus dedos. Não se preocupe querida, vá apenas quando e se quiser ir, eu não vou me mover nem que Elliot traga mais um mês de abril e Dante me providencie alguns círculos de fogo sal e sangue. Não lhe faltarão mãos e cabeças dispostas a serem pisadas se puseres os peitos pra fora e as idéias pra dentro. Ainda há muita fumaça e eletricidade e, enquanto tocar Medeski, eu fico.

domingo, 25 de outubro de 2009

Pequenas cobaias narcisistas

Lá de cima
Eu quero ver se dá
Algum trocado entre a placenta e o caixão.

Se eu pudesse filmar
Você faria um documento
E preto e branco
do seu melhor perfil

seu ponto de mutação
seu ponto de direção
sua
unidade
relativa

seu ponto de vista

Que será...
quando crescer
Que será...
em dissolver
então
dissipar.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Entorpecer

Eu só queria um minuto agora. Sem esse medo constante. Sem esse gosto amargo da dúvida. Sem anseios e náuseas. Alheia a tudo o que me cerca por acreditar que assim será possível. E eu ando tropeçando nos meus próprios pés. E eu sei que eu já tenho dito muito isso. Mas é como me sinto nesse mundo de cinzas. Elas dissolvem nos meus pés fazendo-os tão similares ao chão que já nem sei distinguir, qual dos dois me dá mais instabilidade.
Eu caminho sempre reto, pra não me deixar envolver demasiadamente nas curvas. E tenho medo dessas flores que me hipnotizam aos poucos, que se abrem lentamente. Pétala por pétala. Quando me olha, me sinto assim estranha. E não sei se devo entrar no seu jardim. Porque ele parece muito atrativo e eu tenho as minhas dúvidas do que te atrai. Não quero me arriscar assim, pois teu relógio balança conforme tua música que nunca ouvi. E a tua voz tão perto, me faz soluçar de vergonha.
Sou uma menina. Com olhos curiosos e mãos inquietas. Com pernas grandes demais para os próprios passos. Com passos pequenos ando por caminho desconhecido. Penso em qual porta devo entrar para te encontrar. Penso se irá me convidar para a próxima dança. E me sinto confusa. E me sinto estranha. E te sentir assim tão perto... Nesse curto espaço do tocável intocável, me faz ficar com as mãos gélidas. Perco-me em você e tento resgatar-me em teus braços. Mas o teu cheiro me deixa tão tonta, que chega a ser um crime.
Vou tentando organizar as minhas palavras. Mas elas me escapam antes. Tento te guardar em mim para que não sinta tanto a tua falta quando você se ausentar. Eu te olho e tento gravar cada detalhe teu no meu mundo. Mas quando te procuro nada mais encontro que minha própria estranheza. É apenas meu pequeno mundo. Meu confuso mundo. Meus sentimentos enrolados, como meus dedos nos teus, durante aquele momento em que te tive pelo menos ao meu lado.
E do teu lado me sinto instável, mas segura. Nos teus ombros repousa a minha paz. E repousa o nosso momento. Queria eu que nosso tempo se estendesse, assim preguiçoso. Sem pressa alguma. Com você se estendendo sobre mim. Quem sabe meus instantes se depositem em você. Quem sabe você me fará sentir um alguém mais importante. Nesses dias que me sinto apenas uma flor dentre tantas mais bonitas.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

noir colorido.

Lembrança fotográfica é só o que me resta de tudo que eu faço nessas noites,

afora a náusea, claro.

É coisa de poucos segundos, só mesmo o que não importa. Todas aquelas cabeças por cima dos bancos são só bonecos de teste, mãos movendo-se em flashs, os olhos do anjo na face encardida de deuses. Jogados em pelo menos cinco esquinas. Tudo o que meus olhos viram não é nada comparado ao que minha memória traduz. São tantos horrores e maravilhas, amor. Não gostaria que você estivesse lá. Apenas fique por aqui, apague a luz, aumente o volume e faça amor comigo. Me ouça, meu amor. Me compreenda. Depois me faça sanduíches.

Eu estou aqui pronto para cantar um mundo de irrealidades, minha cabeça cheia, cheia, cheia das mais aterradoras estórias para se contar para os vizinhos e para vocês, mas enquanto isso nossos netinhos estarão lá precisando ouvir os absurdos do real. Apenas por entretenimento. O "seu ninguém" morreu. "nossa", você diz. O "senhor alguém" morreu e isso é apenas entretenimento.

A música é alta e é só o que importa.
porque volume é o que expulsa tudo o que fica preso
nesses all stars
nesses jeans
nesses 98% de algodão penteado.
Nessas cicatrizes.

E é por isso que você não pode me pedir para que eu incomode apenas a mim. Bater a minha porta já é o fim da diplomacia, entre você e eu cavam-se trincheiras atrás de sorrisos. E na minha casa as palavras são disparadas a queima roupa. Eu não baixo o volume nem as armas.

não reconheceria o barulho de tiros se ouvisse.
mas tenho quase certeza que meus vizinhos são baleados
toda semana.

Uma muito boa noite a todos, eu lhes trago lágrimas e balas de goma, na ordem que preferirem. Toda a verdade será jogada nos ventiladores e espirrará em suas faces ao final do espetáculo. E os banheiros são logo ali.
Aceite esta pequena bebida querida N. e a noite descerá mais suave, você vai gostar e no final de tudo, todos nós ainda iremos participar de um churrasco de domingo. Estamentar horas de certezas sobre assuntos que não fazemos a mínima idéia.

Concordaremos
e eu concordo:
tudo é um absurdo.

Costumo passar por cima de muita coisa, pessoa, inseto e buraco, sem grandes épicos sobre. Ainda quero mesmo aprender a guardar o que escuto, não o que vejo. Porque eu não sei desenhar. Mas eu conheci um certo um, certa vez. O homem fazia com a mão, o lápis e o papel, linha por linha, daquele jeito tremido, qualquer coisa que lhe viesse à idéia. E éramos jovens, essenciais, atemporais. Agora um homem não pode mais simplesmente expressar como deus lhe dá o mundo, tem que misturar, colorir, vetorizar, justificar e referenciar. Fazer o seu, o meu e o nosso. Tem que ser infinitivo demais pra mim. Soube que agora ele não rabisca mais um xis num mapa de pirata. Não sabemos mais onde está o ouro nem se queremos encontrá-lo. Não acreditamos mais em reflexos, ele e eu, porque nos barbeamos usando caleidoscópios.

eu me esparramo em non-sense
e deixo os acordes construindo paredes
embora nesse cenário noir
só mesmo Davis.

Quanto ele, a última que ouvi conta que gritava pela mãe com uma faca de cozinha nos pulsos,
de joelhos sobre o chão.
Me pergunto se poderia copiar uns daqueles desenhos. Deixo pra lá.

Cinzas

Tudo assim de repente passou. Novembro chegou. Outono em mim com ares de inverno. Era uma febre. Um vício. E mais uma folha de calendário ao chão. Com tantas folhas lá fora espalhando-se. Dance com o vento outono. Em folhas recortadas em flores caídas e pisadas. Eu queria ter um pouco de neve no meu jardim. Um pouco de branco. Mas são cores amarelas e alaranjadas. Vermelhas são minhas flores que caem logo ali. Onde eu não posso chegar agora por ter medo.
Eu queria ver o céu se enrolar. Dançando com o outono com as folhas e os lençóis estendidos. Como uma menina a girar. Olhando pro céu, vendo ele se enrolar. Se enrolando nos lençóis. Caindo em folhas. E olhando todo aquele cinza cabendo em minha mão. Por entre dedos o sol. Por entre nuvens. Os lençóis provavelmente não enxugarão hoje.
Amanhã quem sabe ele irá voltar. Trará para mim doces em cestas coloridas. Eu lembro de andar segurando sua mão. Ele me segurava. Me impedia. Correr entre as flores vermelhas é proibido. Eu chorava e me contorcia. Os dias passavam. E ele se afastava cada vez mais. Em um outono qualquer, ele me beijou. Em um inverno qualquer, ele se foi. Pisando na neve e nas flores vermelhas. Entre as folhas que ainda caiam do outono recente.
Eu pensei ser um sonho aqueles anos. Toda aquela vida. Em que outonos e invernos se misturavam num céu sempre cinza. E quem sabe eu não esteja vivendo assim no sonho de alguém. Alguém que se balança em uma rede num dia ensolarado.

Vento

é estranho esse andar... esse movimento constante me balança pra onde eu deveria ir.
e é tão difícil acompanhar aquela música, esse ritmo que toca, que faz doer.
e agora sinceramente eu queria ser mais um pouco de você para que eu podesse me ver um pouco mais.
distante.
assim quem sabe eu poderia me sentir um pouco menos pesada.
e não seria eu responsável por tudo o que se situa entre mim e você.
entre você e além de mim.

é um ritmo.
sempre os mesmos acordes.
as mesmas batidas nos mesmos locais mais inflamados.
o mesmo toque numa intensidade diferente.
tudo se repetindo.
uma orquestra infernal tocando desafinadamente poemas...
...e quando eu acho que estou entediada
meu pequeno clown me faz entender...
que a dança continua mesmo com meus restos ao chão.
que o teatro é sagradamente patético.
que não se há mais nada a desejar
além de projeções alheias em paredes inclinadas.

há uma mulher ali vagando
esperando quem sabe quem
esperando um lugar a pertencer
ela tem vestido rodado daqueles que balançam com o vento
e tenho inveja do seu caminhar
se eu pudesse eu a tocava
aquela mulher que desliza entre as calçadas
e que faz um som a mais naquele mundo
ela balança mas não reage
é como um galho daquelas árvores que sempre vejo em sonhos

apenas esqueço... e já não sinto mais.
mais nada
além de mim sem você.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Albuns.

Voce já sentiu como se uma cicatriz antiga doesse? Ou mesmo uma vergonha passada ainda contraisse sua face? Imagine ainda sentir a dor em um membro anestesicamente amputando. Percebo que por vezes faço planos que acabem por demolir meu castelinho de cartas. Me parece tão pendente agora, ainda que sem parecer ceder nenhum centímetro, nenhum segundo para as fotografias que eu vejo por aí, tão presentes e tão cheias de expectativas que eu não penso mais poder alcançá-las. Você está livre para partir agora, sempre esteve, na verdade. Quem eu quero enganar aqui sou eu.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Um bilhete para N.

Querida complicação,

Porquê deixar aquelas flores exatamente onde estavam, eu ainda não sei, só não me pareceu certo fazer qualquer contrário. daqueles crepúsculos que tinhamos guardado, estou levando o da Emily, por nada além de poder carrega-lo na minha mão. Precisava de alguma luz e você sabe como anda meu astigmatismo ultimamente. O por-do-sol que te deixo é suficiente para dividires com qualquer outro alguém, só evite colocar na geladeira de novo, assim como as bananas e o pão, não vai servir mais para ninguem se não fizer como digo. Quando volto, eu não sei nem se. Estive pensando muito nessa ultima vida alguns "e ses" sobre o mar. E se a água cortasse minhas idéias, e se ela cortasse minhas veias, se ele cortasse minha consciencia, eu estaria livre amanhã? Talvez e se, eu te traga um cavalo marinho e um palhacinho eletrico. Estou levando os poemas de Donne. Não se preocupe, não vou lê-los, mas o amassado me faz lembrar o teu seio pressionado contra a capa enquando você dorme. No mais, não sei nem se. Deixei as melodias das canções de ninar em alguma gaveta. Não me espere, mas guarde meu lugar até a ultima sessão.

te deixo o que houver de melhor fora do meu corpo.

Tua paz.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Enquanto o mundo explode

Dentre tantos corações de casimira, de tantos firmes e calorosos espíritos do leste, eu me sinto de um outro tecido. Incerto, frio e sombrio. Para dias quentes. Algo barato, fácil. Dentro do comum. A vida teceu assim, sem apresso ou preocupação, com uma mão cansada. Como uma mãe cansada, uma mãe mecânica, entediada.

superestimadas são a vida e as mães.

Por mais que eu me engane e traga o céu com colagens, misturas e cores, eu não sou muito mais que uma sombra, uma visão do apocalipse, um acidente que não vai acontecer. Enquanto colo nuvens e te traduzo em linhas e letras no papel, seus olhos não encolhem e seu ar não se altera. Eu vejo gelo derreter dentro do copo, mudo gotas de lugar, brinco de manchas de feixes de luz. Esfrio para ponteiros ainda movidos por calor.
no fim, eu não quero mesmo que o tempo passe.

domingo, 11 de outubro de 2009

poeira púrpura.

o tom de uma canção
púrpura feito lua sobre sol
espera-se partir no amanhecer
e eu não conheço mais nada

cada último segundo
é mais um pingo
em mais um i
dedicado a alguém
que não você
que nem a mim.

um.
sentido.
morrer.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Subterrâneo II


well i'm scared of riding a falling star.
but I got time, if you call me I can't deny.
and I want to go back home,
I just don't know what to do
with my haste
and nothing
and useless time

to keep a pace
with something
but warning signs

can I want just to stand by
and never play the part
of a never landing guy

if we're better than we've ever pretended to be
what I ask and wonder is why
what I ask and wonder is why
what I ever wonder is why...

Alguma coisa caía morta naquela noite. E ninguém tinha nada a ver com isso. A filha de alguém, o problema de alguém e ninguém tinha nada a ver com isso.
Ao redor da mesa uns quatro, cinco universos passageiros. Jogado sobre ela apenas o mais absoluto conjunto de existencias. Imateriais e vazias. Vestidinho colorido, de retalhos quadriláteros. Dois, três centímetros de lado. Vermelho, roxo, azul,vermelho, amarelo, vermelho. "TV set", "68", "warhol", "peace", "love", "war". Azul, amarelo, vermelho. Os outros eram apenas all stars e camisetas brancas e aros grossos, essas coisas. Das coisas que se odeia, dos absurdos que se vê, que se ouve.
Acontece que pessoas falam e isso dói e dor não pensa, só responde.
Siga olhar, acompanhando a fumaça, subindo ao reino dos céus, condensando sob o disco voador, o alienígena bipolar com lápis e papel na mão estudando a síndrome de tourette, a linguagem, a realidade. Por um módico, simbólico sacrifício pode-se estacionar sobre a terceira nuvem a esquerda, sob os olhos, as preces e flanelas dos anjinhos cacheados, ao lado direito de deus. Acima disso, não se sabe, liberdade talvez. Uns quadros da Marilyn pendurados nos macacos, comidos por morangos de saia. Muito mais que isso, tudo com lasers. Acima de deus e de toda moral da história apenas japoneses dançando can can para cadeiras sorridentes num deserto de jujubas, debaixo de um escaldante céu de metáforas sanguinolentas e sádicas, empilhadas ao final de uma esteira industrial. Acima da janela do apartamento divino mora apenas um sorridente e solitário livre arbítrio.

através das lentes extraterrenas estou eu trabalhando na árdua tarefa de desviver, passando o tempo com o tempo e a TV, brincando de quem piscar primeiro. Eu queria um Dali aqui. Na minha parede.
No mais, aqui eu fico. Porque, com todo o coração, eu quero.
Eles lá vão. Porque, e nada além de porque, podem, nada mais.



sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Que nunca mais

"tudo aos pedaços, aos poucos
o menino perdeu a voz
o homem perdeu a si
e as cores deixaram de cantar
e as manchas se deixaram esvair
o sol nunca mais disse adeus
aos pedaços o menino perdeu a voz
aos centímetros o quarto encolheu
os olhares as manchas abandonaram
a nuvem nunca mais foi tão doce
o céu nunca mais contou histórias
nem acordou risonho pra avisar que o dia nascia sábado
eu ainda queria ter a voz
eu ainda quero
a voz do menino
e eu ainda quero
continuar perdido
na liberdade do homem"

terça-feira, 15 de setembro de 2009

apenas barulho

é toda e apenas um pouco...
é essa sensação de angústia
nos meus dias perdidos
eu ando sem rumo
e tropeço nos meus próprios pés
sobre chãos alheios me esparramo
esperando cair em teu colo
é apenas um pouco
esse todo
essa sensação toda
que me preenche quando me invade
que me invade e me machuca
e é boa
e é má
e é algo além de mim
de ti me arrependo
não ter ficado
permanecido
mesmo em silêncio absoluto

doísemUM ( hey, jude )

ELE ME DIZIA QUE EU ERA DENSA.
MEU PEQUENO APANHADOR DE FLUÍDOS...
ELA ME DISSE QUE EU TE ABRAÇAVA COM DOR.
ORAS, EU SOU DOÍDA, EU SOU A DOR; SUA DOR QUE REFLETE EM MIM, E ME FAZ DOER.
...QUANTAS INFORMAÇÕES DADAS E RECEBIDAS POR GESTOS E PALAVRAS AFIM DE TENTAR FRUSTRANTEMENTE ENCOBRIR OUTRAS...
O PSEUDO-meu, QUE EU CONVIVO CALOROSAMENTE EM ATRITO TODOS OS DIAS, NAQUELA CASA FRIA, LÂNGUIDA, E MAL ACABADA; ME FAZ QUERER ESVAIR POR ENTRE DEDOS QUE NÃO SÃO DA COR DO PECADO.
O meu-PRESENTE, ONIPOTÊNTE, 'CONVENIÊNTEMENTE CALCULADO EM SOMAS MATEMÁTICAS, AFIM DE NÃO desgastar AQUILO QUE ACHA QUE SE POSSUE', ME FAZ encolher...NAS NOTAS MAIS GRAVES DE UM TROMBONE...
NÃO SAÍA.ABAFE A MINHA DOR.COM A SUA DOR.
ELE ME DISSE:
'VOCÊ VEIO EM RECORTES GEOMÉTRICOS COMPLICADISSÍMOS E DESCOLORIDOS'
[PAUSA]
(você quer sugar e receber em dobro o vinho da uva podre?)
...NÃO CONSIGO DECODIFICAR AINDA QUAL É A PARTE QUE TE CABE COMO CRIADOR, OU COMO CRIATURA QUE SE TORNOU, AFIM DE LEVAR ALGO OU ALGUÉM A UM PATAMAR JAMAIS ELEVADO...
...
EU DIGO QUE te amo.
[PAUSA²]
NOSSO CRONOMÊTRO ESTÁ LIGADO.
DECRESCENDO NA VELOCIDADE DA VERGONHA...
O QUE NOS FALTA É O TEMPO, O QUE NOS SOBRA TAMBÉM...
eu, ESTOU ANDANDO NA PONTA DOS PÉS E NÃO DOÍ.
...
VOCÊ FOI TECENDO AS LINHAS DO MEU IMAGINÁRIO
E EU FUI DANDO OS NÓS...
[RESpiração]
NÃO DOÍ TANTO ASSIM.
NÃO DOÍ. A DOR PROVOCADA É CALCULADA AFIM DE SUBVERTER O QUE ELE CHAMA DE amor.
...
'se você me disser que fica eu SÓ encolho ao te abraçar...'

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

JACK ESCAPISM

acima de mim só o espelho embaçado.
eu digo que vou subir no próximo vagão de trem que surgir, rasgando o monótono céu azul-prateado.
ele me diz umas frases sem sentido, que talvez mais tarde, lá pela quinta cidade, eu entenderia.
eu queria ter ficado, jantado naquele dia insípido, o frango xadrez com a boa coca-cola - é claro que o fato de eu ter desejado o prato do dia seguinte tinha a ver com você, com sua sagacidade, com sua subversão aos meus dogmas e princípios infundáveis. por que eu adorava o jeito como você me cortava. como você conduzia minhas nóias de outubro á dezembro. de como você me deixava relaxada na poltrona azul-limão da mamãe. eu acendia todo-e quaisquer cigarro, só por que você gostava de me ver acender. só por que me dava uma graça divina. um poder sobrenatural. naquele momento eu era o quadro. eu era a criatura e você o criador. assim como nas nossas horas 'vagas' - doce ilusão do poder - que eu simplismente consentia á você. e você sabia. só por que era tão desejável quanto eu.
na sexta cidade meu peito doía, eu estava com fome, e os escapismos já não me faziam mais efeito...
eu queria ter dito: me pede pra ficar, me pede pra ficar...
eu acho meu orgulho mexe diretamente com meu estômago.
eu vejo pontos de você, picotados em cada cidade que eu passo.
você já teve barba, dread, cabelos avermelhados e mais musculoso.
nenhum tinha sua ira maternal.
ninguém era tão casual quanto você.
eu esperava te ver em cada taça de vinho barato, eu até te via.
imagine você...
você devia ter me impedido, devia ter me boicotado...
mas, talvez nós acabassemos ali.
você me impedindo, eu vazando ódio...
...foi melhor.
guardo você.
seu cigarro é sempre o último, é sempre o mais demorado.
me peça pra voltar, que eu volto.
me peça pra partir daqui, que eu parto...
'Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros
E nada mais'

não subir aquela rua.

não me faz falta. o que eu nunca quis nem ouvir e agora tem que fazer parte de mim. eu vou guardar no mais profundo de tudo e como quase tudo o mais, aquilo apenas pesará. mas hoje eu não saio da minha caixa, nem abro meus braços. não vou subir aquela rua, não vou subir aquela escada, não vou subir nessa vida. eu esperaria que os anos se fossem e os dias nunca mais acabassem. porque eu odeio ter novas oportunidades, essa descontinuidade e esquecimento. eu quero sofrer com os erros e refazer o quebra cabeças sem ter de desmontá-lo. hoje eu não vou sair da minha caixa. cada dobra do papel será entendida antes que eu construa uma estrela. os contornos e mistérios das páginas amareladas não serão do passar dos anos, apenas do tempo. hoje não se acaba até que tudo se acabe, tudo se entenda, todo querer faça sentido. hoje não se acaba enquanto amanhã ainda tiver alguma razão de ser. ainda hoje, apenas não agora, eu vou subir aquela rua, eu vou pegar aquela estrada, eu vou me jogar daquele prédio. hoje, que eu decidi não sair da minha caixa.

condição

de onde vem
e pra onde vai?

pode-se ir
e eu vou ficar.

quanto do tempo
pode contar
se está aqui pra se esperar?

pra onde voltar
pra chegar
onde tem
existir além de estar?

calço nos pés o que preciso na cabeça
o mesmo lugar
a mesma pedra.

se bem me lembro
esqueço que há
algum motivo pra ficar.

e se enforcar
e esperar
um alguém
que te entenda o descompletar...

domingo, 6 de setembro de 2009

à propósito da brisa seca.

você devia tecer desculpas
à todo e qualquer costurar no mínimo pensante.
só umas poucas linhas, portanto.
mas não se nega a tanto mundo
tanta alma.
nem se silencia esses dentes
se esses olhos traduzem os de Munch.
não se afasta desse corpo
o mínimo de seu merecido,
implorado, sexo.
essa porta já não fecha mais.
por mais que se feche os olhos
se cale a boca.
se tranque o quarto, tape os ouvidos, atravesse pessoas.
só se ofende.
o teu desespero te torna repetitiva
redundante,
previsível,
óbvia,

desprezível.

te digo se deixares
que existe o esquecido
o desconhecido
o ignorado
o reprimido
em tudo o que vimos,
tudo o que não se julga,
que não te agrada,
que hoje me liberta
e até hoje te torna bela.

todo romantismo é piegas.
se ele te olhar um eu te amo agora
será ecoá-lo mais infinitas vezes.
quando eu disser que te tenho ódio.
será para pedir inúteis
mil
desculpas.
pois números não intensificam.
antônimos não se perdoam.
e teu silêncio
já não te esconde.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Dos absurdos não te o são.

Não existe isso de som do silêncio
nem de peso no vazio.
Quem dirá o voltar de quem não foi.

Talvez uma insustentável leveza ou...
uma saudade do futuro,
quem sabe deuses nas calçadas e ...
a morte do tempo.

A viagem inerte...

e com certeza, sempre o nunca se saber.



peço-te agora que não discuta,
não argumente, não seja.

vê?
leveza, vazio, silêncio
beleza.

Só pra morrer.

Você toma todo o caminho pelo inferno
com uma coca-cola na mão
por tudo que você pensa sonhar.
E não materializa.

domingo, 30 de agosto de 2009

De último andar

De tempos atrás...

Vamos falar de boa sorte
eu jogo dados, decido umas coisas
olho por alto esses prédios altos
um amanhecer
um fim de tarde
coisas que eu quero do começo, inacredita-se
você aqui ao lado
eu prefiro imaginar-te
fala-se sobre toda violência
eu sinto algum absurdo
sangram-se moléculas
acho que já passei por tudo isso
E quando sobre o meu umbigo
sinto como se tivesse derramado sangue no paraíso
minha boa sorte meio que me escorrega.
eu sinto como essas pinturas se movessem
e todo mundo tem algo bom a dizer.
Então fale de boa sorte
somos os azuis e não sabemos como jogar
"tudo é meio que sobre mim e tudo é meio que sobre você
nós só meio que nos perdemos"
então fale pra mim da nossa boa sorte.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

trinta primeiros segundos

"Canetas e livros e comida com meus all-star sujos no chão, pois eu não passo de mais uma amálgama numa lata de sardinha, da classe média à periferia, todo dia". Ela penteava os cabelos pensando em escovar os dentes e escovava se perguntando se era como a TV tinha ensinado. Se os cabelos já estivessem o mais possivelmente à moda de Hitler, ela podia abandonar o apartamento. "se ele pegasse fogo eu perderia... as pessoas sentiriam pena de mim, a dona Dolores... eu iria embora pra longe, talvez fosse para onde coisas acontecem, para onde o mundo já me transformasse no que eu quero ser, sem bienais nunca mais, sem esperar por uma peça, ler sinopses, sem downloads, sem alternativas. Eu saio e não tenho opção se não fazer o que eu gosto, meu próprio mundo stalinista, e se eu quisesse assistir a um blockbuster, me preocuparia em como voltar pra casa depois...não iria...a dona Dolores talvez me desse almoço." Já no primeiro andar, voltava e desligava o gás, olhava a porta sendo trancada por sua chave, tentava guardar a imagem na memória, para não ter que voltar novamente.

As ruas eram claras e frias. A impressão de que todos que perpassam não são nada senão mudos. "Pra onde vai o playboy arrumado senão para o mesmo inferno que eu, se ele não for empregada de cozinha? Será que já fabricam empregados, mas por que o cabelo não está molhado e onde está a sacola? Para onde vai a atendente de telemarketing se ela cruza na direção oposta, se para lá não existem consultórios médicos, odontológicos, publicitários...telefones a se atender? Para onde vão todos esses mudos se deveriam estar indo para onde eu vou, na mesma lata, evitando o mesmo suor? Eles devem ser do futuro, onde eu ainda vou chegar." Continua o mesmo rumo de todos os dias úteis, quando havia pessoas úteis indo para seus lugares misteriosos e desconhecidos, "talvez seitas secretas, escritórios da máfia, escolas sem credenciamento." Aumentava as distancias e diminuia o cansaso, acelerava o passo e perdia a vontade de voltar, perdia a lembrança de como deixara o apartamento, do plano de regressar o mais rápido possível e voltar a dormir, guardava, como ontem, tudo na mesma inconsciencia. "Vou chegar atrasada, direi que tive um acidente, carros batem todo dia, pessoas batem todo dia, estrelas explodem todo dia. Se isso aqui batesse e eu não acho que morreria, iria andando ou esperaria por outra lata com menos sardinhas? Eu não preciso de atestado para acidentes, assaltos, brigas em família, mas talvez ela peça. Eu preciso me fazer um corte, um curativo, um hematoma... talvez precise fingir um choro. Com quem eu brigaria em casa, também justificaria os cortes, senão pelo menos em minha alma, esses eu não preciso fingir, mas esses eu não consigo chorar. Porra, como eu tô atrasada. Oi, tudo bom?" - Oi, cê vai chegar atrasada num vai? "vou sim, me deixa ir, porra agora eu tô mais atrasada... O acidente, não precisa de cortes, posso contar um história inteira, o motorista da frente estava no celular brigando com o empregado da firma porque ele esqueceu da última entrega de ontem a noite, mas eles vão dar um jeito no problema o empregado não vai ser demitido por isso só quando a Joelma esposa dele ficar grávida e ainda vai ser justa-causa o motorista já sabe até o que dizer mas eu não sei ele freia no sinal verde e a gente bate descem todos e eu tenho que esperar a próxima lata com menos sardinhas e por isso cheguei atrasada, pronto é isso" Ela entra na sala
"Bom dia"

- Bom dia

senta, sorri e se cala.

twitter

viver se resume bastante em respirar...

domingo, 9 de agosto de 2009

Bobagem sobre o nascer do sol.

...Pode-se dizer até que já estava acordado há tempo, mas só agora, com as costas na grama, sentia o gélido da manhã arrepiando os pelos do rosto. O sol nascia e morria no céu de Monet e já se tinha um cigarro aceso, um passo cambaleante no longe e olhos para o horizonte. A impressão que dá é que se dorme em um lugar completamente diferente de onde se desperta, o mundo se move quando se move, as coisas, as nuvens, os olhos, o mundo mesmo. Senta-se lado a lado apenas pra se ter a sensação de que algo interessante pode ser dito. Conversa-se na beira dessa estrada, mas ninguém diz nada.

"Eu podia morrer agora. Só porque eu não quero voltar. Ir apenas. Nem importa muito, na verdade, seguir já me basta, fico feliz de não ter que decidir mais nada. Eu não sei mais nada. Me pergunto se alguém sabe mais que eu e sempre me respondo que sim, nunca me corrijo se precisar. Essa grama é tão verde. Será que seria estranho deitar no colo dele? Me parece confortável agora, fosse ele um irmão. Não faria diferença. Certeza que ele não se perguntaria isso. Deitaria se quisesse. Ele já foi mais longe ou será que é sempre até aqui? Me pergunto se eles já chegaram pelo menos até aqui. Isso não deveria importar. Me pergunto se eles se importam, se eles se perguntam, o que importa. Ele deve estar pensando poemas sobre o nascimento agora, sobre o sol, a vida, a natureza e o tempo, essas coisas. Coisas que eu entendo, mas não decoro poemas. Penso se ela gostaria. De poemas, de poetas, dele, de mim. Não paro de refletir sobre nosso próximo passo, sobre quando o sol subir. É o que eu termino por ser, um reflexo do futuro no presente, aprendendo passos de uma dança ainda sem música, uma preocupação sobre o que virá a ser, dançando pelo que já foi. Ele sim, sabe o que é. Eu sou completamente inútil, tanto para o que vai ser, quanto para o que está sendo, qualquer coisa perdida nesse entremeio. Reflito muito o que ainda está pra chegar para poder sentir o prazer de trazê-lo, de muitos caminhos eu perdi a viagem, só me resta o medo de voltar."

"A natureza poupa seu amarelo para o pôr-do-sol. E para o nascer ela poupa o carinho. Porra, isso tudo é muito lindo.A gente tem que curtir. Em pensar que todo mundo ainda está dormindo, ele acabou de levantar e está aqui só curtindo ao meu lado, ela está lá curtindo a dela. A gente devia acender aqui e agora. Porra, eu preciso me libertar, atingir o contato sozinho, que nem eles fazem, sinceramente eu não sei se eles se prendem ou se já estão muito livres, se eu estou preso... O que eu posso fazer é respeitar e só. O que me importa é curtir isso tudo. É tudo muito belo, esse sol, essa natureza, quem é mais nesse mundo que pode aproveitar a beleza disso tudo? Soubesse desenhar eu pintava um quadro agora, dava pra ela. A gente fazendo amor, nós três, a grama, o sol, o céu e deus. Acho que eu estou olhando para Ele agora, e Ele de volta pra mim, e só assim a gente já se ama. Eu abro os braços pra esse olhar, nessa luz Será que ele está curtindo, sentado aqui ao meu lado? Cadê ela? Porra, que fome, a gente tem que arrumar uma grana ou voltar... esse sol vai já doer na vista."

"Está frio, vou abraça-los, depois volto daqui e eles virão atrás de mim. Me preocupo agora, que não devo. Foi uma noite boa da qual eu não posso falar, nem admitir, nem celebrar, foi além do que eu esperava apenas, mas eu não posso convidar, não posso me negar, nem querendo, nem quero. Iria mais a frente, se me prometessem não haver mais volta, nunca mais, não quero é me jogar em mais abismos e depois ter de escalá-los para voltar, só quero uma viajem mais longa com a promessa de que ela não terá volta, nem arrependimentos, nem desculpas, justificativas, castigos, sentimentos, conversas, reconciliações. Todos esses retornos que um retorno trás. Vou abraçá-los e escutar lirismos sobre o nascer e a natureza, quebrar o silêncio, levar as vontades, chamar as decisões. Mas eu discordo do que é cantado em um e do que é silêncio em outro, ainda assim preciso guardar o que já não cabe em mim. Vou voltar."

terça-feira, 4 de agosto de 2009

I'm back, baby!

E me deixaram outra missão. Veio, assim, de repente, pela caixa do correio, às seis da manhã. Ainda tava com sono, mas você sabe, muito tempo sem agir! E precisando de ação. Esperava que fosse para procurar um livro raro, salvar um gato preso numa árvore, descobrir os podres do novo garotão da semana, porque você não imagina como é o meu trabalho! É qualquer coisa que minha velha chefa desejar; só não favores sexuais, porque eu tenho minha dignidade.

Ela me veio com a história que estava em crise, que só agora, nessa etapa da vida, lhe ocorrera pensar a existência, seus propósitos e perspectivas. That’s so last week! Isso é algo que reflito o tempo todo! No momento livre, quando meus olhos se perdem no vazio, advinha no que estou pensando? Exatamente nisso! O que, confesso, não faz muita diferença. Minhas reflexões não me tornaram mais sábia, só mais cética. Não aconselho a seguir meu caminho, sabe. Ela parecia ser tão feliz com suas unhas sempre feitas e seus vestidos combinados com as meias.

“Descubra algo sobre o motivo da existência por mim. Tô em crise” era a mensagem central do papel que me chegara pela manhã, na claridade e frio desagradáveis. Trabalho é trabalho, mesmo cansada de me dedicar a essa causa. Ocorreu-me dar uma volta na cidade, olhar em volta, acompanhar pensamentos alheios. Tédio! As pessoas parecem seguir em frente simplesmente. Sempre em frente. Esse tipo de pergunta nem se coloca. Bah!

À noite, na cama, tive uma idéia. Eu iria espalhar pela cidade mensagens pichadas convocando ao questionamento metafísico, explodir uns prédios, e fazer uma página na internet para a articulação dos possíveis adeptos. Em breve, a multiplicação de revoltados se daria independentemente. Em todo canto, se poderia ler algo do tipo: “você tem certeza que está vivo? O que viemos fazer aqui além de sexo? O que te leva a se levantar todo dia?” E então, todo mundo abandonaria sua vidinha, o seu trabalho – capitalismo estaria arruinado; haveria roubos pelas ruas, depredação, e o caos se instalaria. Seria um bom momento de reflexão para a humanidade!

Fui dormir embalada pela imagem de explosões e gritos dos manifestantes, as ruas ocupadas, tudo pegando fogo. Acordei morrendo de sono. Maldita mania de me deixar levar pelos devaneios noturnos e desperdiçar a noite de descanso. Desisti da idéia que embora promissora iria me cansar consideravelmente. Digitei no Google, com aspas, motivo da existência. Nenhuma resposta séria. Fui ao fórum do Yahoo e lancei a pergunta, com um sorriso de esperança ao me lembrar da Wikipédia.

A natureza usa amarelo

Nature rarer uses yellow
than another Hue-
saves she all for the sunsets
prodigal of blue

[...]

Emily Dickingson

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

analógico

Day in day out
não é dia sim, dia não
ainda temos vírgula
calor, contato, saliva,
calafrio.
Outras carnes ainda nos dão,
pelo menos,
desconfiança.

E todo ódio
ou equivalentes,
ainda não vem em nanopartículas.

Eu ainda não sei...
que reza fazer para ter uma oca
um teletranspote
uma cerca elétrica.

somente sexo por sexo
e olho no olho

domingo, 2 de agosto de 2009

Sunday morning

...

watch out
the world's behind you
there's aways someone around you who will call
it's nothing at all

...


Lou Reed

quarta-feira, 29 de julho de 2009

coágulo

trilha-se esse caminho pulando veias e feridas abertas
não temos nem ao menos a descência de sangrar, derramar, descascar
ouve-se muita voz
houve-se voz demais
e todas são uma só
que não pede
implora
e não manda
ordena

e não aconselha
avisa

enquanto as bocas se abrem aos ouvidos
e o mundo se fende aos nossos pés
esperamos que o céu se abra sobre nossas cabeças num circo pirotécnico
que caiam sentenças sobre todo mal
nosso toque sinestésico
o disfarce
do desejo
meu cianeto
tua escravidão

tua foda
tua merda
todo fluido
tua culpa

mas por que?
se não descasco, não sangro, não derramo.
vê-se alguém morrer com essas feridas abertas
uma voz sem culpa
sem desejo
sem descência.

domingo, 26 de julho de 2009

Estela

Quando ela se jogou
não foi por nenhum mirar
que essa luz se apagou

acho que foi a vida
de esperar o sol se pôr
depois de tanto rezar
pro tempo negligênciar
todo agora.

talvez nunca se chegue lá
quem sabe nunca se alcance
e eles dizem que muito do que se vê
já é findo.

domingo, 5 de julho de 2009

Ripping paper

Emendando náuseas. Tudo é tão sequencial e continuado. Quadro a quadro, como numa galeria, todas as obras parecem independentes. Sei que existe tempo e momento juntando os mindinhos de cada pintura, desenho, retrato. Cada tristeza e dor trazem em si sua arte independente, eu no entanto, por tempo e momento, sem perceber, emendo náuseas, todas em uma só tela de arte final. Tantos quadros e você poderia jurar que vê apenas uma pintura repetida parede após parede, porém quem entra nas minhas galerias entra sabendo que pouco é o que parece e nada veio no mesmo tempo, no mesmo momento. Hoje, no entanto, como em todo fim eu decido não mais pendurar a mesma obra, nem mesmo uso qualquer tela. Esta ala se fecha como algumas outras lá trás no caminho e pra garantir um fim, hoje sem tela, toda a tinta vai na parede. Eu sei, nada nunca põe fim à náusea, mas eu acho que tantas paredes merecem mais tempo. Mais momento. E tanto papel pode ser rasgado...

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Insight

"acho que os sonhos são finitos
ele não afloram
apenas decaem
mas eu não ligo mais
eu perdi a vontade de querer mais
eu não sinto nenhum medo
eu os observo enquanto caem
mas eu me lembro de quando éramos mais jovens

aqueles com hábitos de desperdiçar
a noção de estílo e bom gosto
de ter certeza de que se está certo
você não percebe que estava certo?
eu não sinto mais medo
mantenho meus olhos sobre a porta
mas eu me lembro...

lágrimas e tristezas por você
o temor de que te façam algum mal
reflete um momento no tempo
um momento especial no tempo
é certo que jogamos fora o nosso
o tempo que nem mesmo tinhamos
mas nós lembramos de quando éramos mais jovens

e todos os anjos observem
e aqueles que julgam, observem
aqueles que se arriscam prestem atenção
àqueles todos que não estão por aqui
eu não tenho mais medo."

Ian Curtis

Eu, nº 1417

Well, the music is over and they turned off the lights. Mas eu ainda estou aqui, o último, porém não um resumo ou uma conclusão. Apenas a sobra, assim mesmo, nesse tom, de conformismo, de quem já esperava ter de arrumar tudo no final, pôr as cadeiras sobre as mesas. Nem pior, nem melhor, o último apenas.

Não sou poético, ninguém é, no fim, todos cansam e vão para atrás das cortinas. Todos tiram suas máscaras e se descobrem exaustos de toda a comédia e tragédia da vida. No fim, ninguém se importa. Eu não me importo. Eu gosto de coisas que não fazem nem a mínima diferença, reparar no piscar dos meus próprios olhos, no último pulsar da luz na tela, o toque da pele na colcha usada. Encolher-me e sentir o queixo nos joelhos, piscar, abrir, fechar os olhos no escuro. Fechar o corpo. Fechar o mundo. Até que os outros se tornem apenas o termo e nada mais. Que ocupem o medo e a esperança, que se percam a vontade e a memória. Esse é o último eu, lost some sleep and said I tried.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Moendo Moinhos

E os moinhos se moviam conforme o vento e o tempo. Moviam meu tempo. Arrastavam meus anos para embaixo de algum tapete alheio. Me mutilavam com seu constante movimento.
Eu preciso descansar. Preciso de um pouco de colo. O seu colo fica tão bonito assim visto por baixo. Com dor de cabeça. Com minha cabeça moendo. Movendo moinhos que pesam toneladas. Movendo amores impossíveis. Me pergunto onde estará meus dias perdidos movendo moinhos alheios. Onde estaria meus amores antigos. Onde estaria eu imersa em pensamentos alheios. Sobre anseios me jogo. Me arrasto, me enlaço. Caio em tédio. Mover. Minha vida cansa. Minhas pernas doem. Meus olhos precisam de águas passadas. Meu corpo precisa ser levado por essa corrente que me enlaça.
Meus moinhos. Meu tempo. Um vazio. De tempos em tempos movendo moinhos alheios. Sentindo falta de mim mesma. Imersa em pensamentos. Me perco em águas desconhecidas. E o vento me leva conforme sua dança. Eu perco. Eu ganho. Eu desapareço. Uma gota. Um moinho. E um sonho. Meu tempo. Minhas horas que escorrem. Preciso do seu colo para depositar nele todo o meu cansaço. Meus dias. O tempo caindo feito areia. Meus ombros doendo. O nosso tempo esvaindo.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Significar-se

Existe muito porquê nesse mundo, e existe muito porque não.
Determino só pouco de tudo,
mas o que segui pelo faro
tanto faz.
porque o meu pedaço de pôr do sol
emoldura o que posso dizer dele
apenas
e nada mais.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Hora Absurda

O teu silêncio é uma nau com tôdas as velas pandas...
Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...
E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraiso...

Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...
O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...
Minha idéia de ti é um cadáver que o mar traz à praia..., e
entanto
Tu és a tela irreal em que erro em côr a minha arte...

Abre tôdas as portas e que o vento varra a idéia
Que temos de que um fumo perfuma de ócio os salões...
Minha alma é uma caverna enchida p'la maré cheia,
E a minha idéia de te sonhar uma caravana de histriões...

Chove ouro baço, mas não no lá-fora...É em mim...Sou a Hora,
E a Hora é de assombros e tôda ela escombros dela...
Na minha atenção há uma viúva pobre que nunca chora...
No meu céu interior nunca houve uma única estrela...

Hoje o céu é pesado como a idéia de nunca chegar a um pôrto...
A chuva miúda é vazia...A Hora sabe a ter sido...
Não haver qualquer coisa como leitos para as naus!...Absorto
Em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido...

Tôdas as minhas horas são feitas de jaspe negro,
Minhas ânsias tôdas talhadas num mármore que não há,
Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro,
E a minha bondade inversa não é nem boa nem má...

Os feixes dos lictores abriram-se à beira dos caminhos...
Os pendões das vitórias medievais nem chegaram às cruzadas...
Puseram in-fólios úteis entre as pedras das barricadas...
E a erva cresceu nas vias férreas com viços daninhos...

Ah, como esta hora é velha!... E tôdas as naus partiram!
Na praia só um cabo morto e uns restos de vela falam
De longe, das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram
Aquela angústia de sonhar mais que até para si calam...

O palácio está em ruínas... Dói ver no parque o abandono
Da fonte sem repuxo... Ninguém ergue o olhar da estrada
E sente saudade de si ante aquêle lugar-outono...
Esta paisagem é um manuscrito com a frase mais bela cortada...

A doida partiu todos os candelabros glabros,
Sujou de humano o lago com cartas rasgadas, muitas...
E a minha alma é aquela luz que não mais haverá nos
candelabros...
E que querem ao lago aziago minhas ânsias, brisas fortuitas?...

Por que me aflijo e me enfermo?...Deitam-se nuas ao luar
Tôdas as ninfas... Veio o sol e já tinham partido...
O teu silêncio que me embala é a idéia de naufragar,
E a idéia de a tua voz soar a lira dum Apolo fingido...

Já não há caudas de pavões tôdas olhos nos jardins de outrora...
As próprias sombras estão mais tristes...Ainda
Há rastros de vestes de aias (parece) no chão, e ainda chora
Um como que eco de passos pela alamêda que eis finda...

Todos os ocasos fundiram-se na minha alma...
As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios...
Secou em teu olhar a idéia de te julgares calma,
E eu ver isso em ti é um pôrto sem navios...

Ergueram-se a um tempo todos os remos...pelo ouro das searas
Passou uma saudade de não serem o mar...Em frente
Ao meu trono de alheamento há gestos com pedras raras...
Minha alma é uma lâmpada que se apagou e ainda está quente...

Ah, e o teu silêncio é um perfil de píncaro ao sol!
Tôdas as princesas sentiram o seio oprimido...
Da última janela do castelo só um girassol
Se vê, e o sonhar que há outros põe brumas no nosso sentido...

Sermos, e não sermos mais!... Ó leões nascidos na jaula!...
Repique de sinos para além, no Outro Vale... Perto?...
Arde o colégio e uma criança ficou fechada na aula...
Por que não há de ser o Norte e Sul?... O que está descoberto?...

E eu deliro... De repente pauso no que penso...Fito-te...
E o teu silêncio é uma cegueira minha...Fito-te e sonho...
Há coisas rubras e cobras no modo como medito-te,
E a tua idéia sabe à lembrança de um sabor de medonho...

Para que não ter por ti desprêzo? Por que não perdê-lo?...
Ah, deixa que eu te ignore...O teu silêncio é um leque ---
Um leque fechado, um leque que aberto seria tão belo, tão belo,
Mas mais belo é não o abrir, para que a Hora não peque...

Gelaram tôdas as mãos cruzadas sôbre todos os peitos....
Murcharam mais flôres do que as que havia no jardim...
O meu amar-te é uma catedral de silêncio eleitos,
E os meus sonhos uma escada sem princípio mas com fim...

Alguém vai entrar pela porta...Sente-se o ar sorrir...
Tecedeiras viúvas gozam as mortalhas de virgens que tecem...
Ah, o teu tédio é uma estátua de uma mulher que há de vir,
O perfume que os crisântemos teriam, se o tivessem...

É preciso destruir o propósito de tôdas as pontes,
Vestir de alheamento as paisagens de tôdas as terras,
Endireitar à fôrça a curva dos horizontes,
E gemer por ter de viver, como um ruído brusco de serras...

Há tão pouca gente que ame as paisagens que não existem!...
Saber que continuará a haver o mesmo mundo amanhã --- como

nos desalegra!...
Que o meu ouvir o teu silêncio não seja nuvens que atristem
O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra...

Suave, como ter mãe e irmãs, a tarde rica desce...
Não chove já, e o vasto céu é um grande sorriso imperfeito...
A minha consciência de ter consciência de ti é uma prece,
E o meu saber-te a sorrir é uma flor murcha a meu peito...

Ah, se fôssemos duas figuras num longínquo vitral!...
Ah, se fôssemos as duas côres de uma bandeira de glória!...
Estátua acéfala posta a um canto, poeirenta pia batismal,
Pendão de vencidos tendo escrito ao centro êste lema --- Vitória!

O que é que me tortura?... Se até a tua face calma
Só me enche de tédios e de ópios de ócios medonhos...
Não sei...Eu sou um doido que estranha a sua própria alma...
Eu fui amado em efígie num país para além dos sonhos...


Fernando Pessoa

segunda-feira, 8 de junho de 2009

manhã

essa manhã...
nessa manhã como em
todas as outras eu
me esqueço o que eu achei

no mais
transtorno absoluto
em renegar
antes de levantar
todas as possibilidades
entre eu
entre o mundo.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Uma

Gostava de beijar-lhe a barriga lavada pela água do nosso banho, o sabor da água misturada ao seu corpo era um elixir para eu me deleitar.

Lembro dos olhos dela, que pareciam se mover em câmera lenta, semicerrados de prazer, firmes de tesão, me encaravam apaixonadamente, e enquanto o momento me entorpecia e hipnotizava, ela me perguntava, suavemente, com sua boca molhada: “O que é?”.

Discutiríamos por conta dessa situação algumas horas mais tarde, pois eu nunca conseguia dizer “o que era”, não era capaz de emitir um silvo que seja em resposta, nem que eu conseguisse obter algum som, jamais me depararia com as palavras necessárias para descrever a sensação do magnetismo exercido por seus olhos, no momento em que nos amávamos.

Enquanto fazíamos amor, nossas mãos estavam sempre juntas, os dedos enlaçados pelo fio invisível e inviolável de nossa união. Aquele era o nosso momento, falassem o que falassem. Às vezes ela chorava, e então eu quem perguntava, mordendo-lhe a orelha: “O que é?”. Beijando-me, com as lágrimas nascendo em seus olhos e morrendo após deslizar docemente pelo meu rosto, ela dizia: “Choro porque, um dia, iremos nos separar, a morte está aí para isso. Choro porque sei que, de uma forma ou outra, uma de nós ficará só e estou chorando ou por mim, ou por você...”

Nunca tive medo de estar só, ela estava errada. Não só amigas, confidentes, irmãs ou cúmplices. Éramos uma só. Enquanto dávamos as mãos, eu e ela, juntas, nos amando, éramos uma só pessoa, se unificando, ou seja, juntas, estávamos sempre “sozinha” e “feliz”, como um indivíduo em sua forma original, ou seja, completo.

Por isso que, quando ela se foi, eu já havia me decidido por ir embora também. Não com medo de ficar só, mas porque um ser humano não sobrevive incompleto.



Adeus.


Sarah Elise