sábado, 30 de maio de 2009

Nada muito a declarar

É simples até. Escrever num papel em branco sem pensar em nada consistente suficiente pra expressar. É apenas aquela antiga e insatisfeita necessidade de se apresentar. Idéia, aqui estou eu. Como se na nossa cabeça tivessem diversas idéias a serem exploradas. E quando não?

blá blá blá.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Empilhando dias

"De tempos em tempos. Goles após noites. Noites sem dormir. Sono entre fios. Fios a fazer cócegas. Sonhos para se perder. Iludir e criar. Meu mundo tão bem feito de papéis toalhas e batons retocados. Meu corpo doendo por causa de noites passadas. Minha roupa amassada e meus cabelos a cair. Meus sonhos perdidos, meus olhos a sorrir. Um bom dia ao vizinho. Um olho a mais para enxugar. Quando se cortar as cebolas, antes de servir o jantar. O relógio apenas balança. Me mostra como seguir. Os meus dias vão escorrendo pelas frestas, pela janela, pelas minhas mãos molhadas, por noites dormidas e sonhadas... pelos sonhos que vêem, por dias que vão. Me movo pelos corredores. Tropeço por toda a casa. Penso como deveriam ser meus dias. Escorrego na calçada. Penso no meu passado e sinto que seria bem melhor. Voltar a ser menina, se balançar na rede até ficar tonta. Contar os dias, sem sentir as horas. Passar os dias e não entender toda a pressa. A agitação."

Sinto na minha boca uma estranheza. Um gosto de um passado recente. O cheiro da tua blusa nos dias que passamos deitados. Olhando para o tempo. Esperando o navio passar. Mãos unidas e sonhos que se despedaçam sem ao menos um porque. Sem ao menos a certeza do nosso toque. Sinto como se houvesse algo a dizer. Algo a fazer. Algo me falta. Você me faz falta. O seu cheiro. Seu cheiro na minha blusa me faz falta. Toda a nossa conversa. Todo o silêncio. E toda a minha inquietação. Agora e antes. Me sinto confusa. Há algo para engolir. Há mais saliva. Eu não esperava por isso. Sinceramente. E isso me sufoca. Me consome. Vou empilhando meus dias. Vou subindo as escadas. Vou tornado meus dias sem sentido, sem meio, sem finalidade. Vivendo calmamente. Não posso deixar a pressa acabar com meus cálculos. Quantos dias a mais, quantas pessoas a mais numa vida tão pequena. Não me sinto mais intensa. Quem me dera ter os meus dias de volta. E me pergunto se ainda consegue lembrar de mim. Nos meus melhores dias. Nos meus melhores anos. O passado é mais reconfortante. O passado parece ser o melhor. Assim olhando de longe. Lembrando das coisas da maneira que se deseja. Lembrando de mim de uma maneira mais bonita. O quanto eu era bonita como desejo. E o passado se torna minha ambição. Quero retroceder. Viver um pouco meus segundos anteriores, se possível. Meu amor traga meu pêndulo, segure e não o deixe mais. Me segure e não me deixe mais ir. Não me deixe voltar ao meu presente. A esses dias que se amontoam pelo meu quarto. Me traga você. Me leve pra você. Eu queria tanto. Queria tanto ter sua cabeça novamente na minha barriga. Ouvir você falando do navio. Ouvir você falando do meu bebê, do nosso filho que nunca germinou. De escutar a tua voz bem perto. E isso seria algo a me fazer mais sentido. Mais um motivo para me sentir confusa e querer ir. Isso me machuca, eu penso que te machuco também. E isso me sufoca ainda mais. É como se não houvesse cura. Nem o passado, nem o presente. Não espero pelo futuro, porque nem quero esperar. Isso me faria ficar doente. Com febre. Com 39 graus de esperanças depositadas em ilusões. Não quero. Pensando bem, eu quero. Quero me afogar com ilusões. Ter devaneios de febre. E esperar que você possa me curar, antes que seja, já é tarde.

sábado, 23 de maio de 2009

Prefácio

Deveria escrever um novo prefácio para este livro já velho. Confesso que a idéia não me agrada, pois isso seria inútil: não deixaria de querer justificá-lo por aquilo que ele era e de reinscrevê-lo, tanto quanto possível, naquilo que está acontecendo hoje. Possível ou não, hábil ou não, isso não seria honesto. Acima de tudo, não seria conforme tudo aquilo que deve ser, com relação a um livro, a reserva daquele que se escreveu. Um livro é produzido, evento minúsculo, pequeno objeto manejável. A partir daí, é aprisionado num jogo contínuo de repetições; seus duplos, a sua volta e bem longe dele, formigam; cada leitura atribui-lhe, por um momento, um corpo impalpável e único; fragmentos de si próprio circulam como sendo sua totalidade, passando por contê-lo quase todo e nos quais acontece-lhe, finalmente, encontrar abrigo; os comentários desdobram-no, outros discursos no qual enfim ele mesmo deve aparecer, confessar o que se recusou a dizer, libertar-se daquilo que, ruidosamente, fingia ser. A reedição numa outra época, num outro lugar, ainda é um desses duplos: nem um completo engodo, nem uma completa identidade consigo mesmo.

Para quem escreve o livro, é grande a tentação de legislar sobre todo esse resplandecer de simulacros, prescrever-lhes uma forma, carregá-los com uma identidade, impor-lhes uma marca que daria a todos um certo valor constante.

Sou o autor: observem meu rosto ou meu perfil; é a isto que deverão assemelhar-se todas essas figuras duplicadas que vão circular com meu nome; as que se afastarem dele, nada valerão, e é a partir de seu grau de semelhança que poderão julgar do valor dos outros. Sou o nome, a lei, a alma, o segredo, a balança de todos esse duplos.

Assim se escreve o Prefácio, ato primeiro com o qual começa a estabelecer-se a monarquia do autor, declaração da tirania: minha intenção deverá ser seu preceito, leitor; sua leitura, suas análises, suas críticas se conformarão àquilo que pretendi fazer; entendam bem minha modéstia: quando falo dos limites de meu empreendimento, pretendo limitar sua liberdade, e se proclamo a sensação se não ter estado à altura de minha tarefa é porque não quero deixar-lhe o privilégio de contrapor a meu livro o fantasma de um outro, bem próximo dele porém mais belo que ele. Sou o monarca das coisas que disse e mantenho sobre elas uma soberania eminente: a de minha intenção e do sentido que lhes quis atribuir.

Gostaria que um livro, pelo menos da parte de quem o escreveu, nada fosse além de frases do que é feito; que ele não se desdobrasse nesse primeiro simulacro de si mesmo que é um prefácio, e que pretende oferecer sua lei a todos que, no futuro, venham a formar-se a partir dele. Gostaria que esse objeto-evento, quase imperceptível entre tantos outros, se recopiasse, se fragmentasse, se repetisse, se simulasse, se desdobrasse, desaparecesse enfim sem que aquele a quem aconteceu escrevê-lo pudesse alguma vez reinvindicar o direito de ser seu senhor, de impor o que queria dizer, ou dizer o que o livro devia ser. Em suma, gostaria que um livro não se atribuisse a si mesmo essa condição de texto ao qual a pedagogia ou a crítica saberão fazê-lo, mas que tivesse a desenvoltura de apresentar-se como discurso: simultaneamente batalha e arma, conjunturas e vestígios, encontro irregular e cena repetível.

É por isso que, ao pedido que me fizeram de escrever um novo prefácio para este livro reeditado, só me foi possível responder uma coisa: suprimamos o antigo prefácio. Honestidade será isso. Não procuremos nem justificar esse velho livro, nem reescrevê-lo hoje; a série dos eventos à qual ele pertence, e que é a sua verdadeira lei, está longe de ser concluída. Quanto à novidade, não finjamos descobri-la nele, como uma reserva secreta, uma riqueza inicialmente despercebida: ela se fez apenas com as coisas sobre ele ditas, e dos eventos dos quais se viu prisioneiro.

-Mas você acaba de fazer um prefácio!
-Pelo menos é curto.

Michel Foucault

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Crise

- baseado em fatos reais -

olhava para aqueles rostos familiares,
tão cheios de vida,
um berçário de idéias
nunca antes navegadas,
cuidadas cautelosamente,
amadurecendo.

até uma praga surgir.

domingo, 17 de maio de 2009

Do Gênesis

Acho que gosto da idéia de que viemos de um grande catarro, que tememos a vinda de um lenço gigante...
Explica muita coisa, e é reconfortante.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Burning bridges

Lá depois daquele sino tem um jardim de flores amarelas, amor. E quando ele toca lento, elas balançam, como se fechassem os olhos, as pétalas e simplesmente fossem sino e vento. Lá, nesse jardim, se a gente subir pelos caminhos, bem ao centro tem uma árvore, folhas vermelhas de pôr do sol pra sempre. Elas nunca caem, as flores nunca murcham, nunca nem anoitece, lá. É tudo tão bonito, amor. Sabe que combina com aquele teu vestido, o jardim? É, aquele amarelo que eu gosto em dia de sol. Quando bate o vento. Nem sei se já te falei. Do vestido, ou da verdade sobre os teus olhos, do toque das tuas pernas. Ele combina, amor. O vestido. Vocês combinam: meu amor, o vestido, o jardim. Eu te imagino tanto lá. Te ponho no mesmo cenário e nem preciso misturar cores, tons,trocar pincéis. Você está lá, sob a árvore, por entre as flores, em par com o vento. Te ponho numa moldura, mas parece que teu vestido e teus cabelos nunca param de falar com a brisa. É tudo tão lindo, amor. E sempre que o sino toca, você está lá. Tudo tão constante, condizente com teus tons de crepúsculo.

Mas esse som me deixa olhos pesados sempre que te leva embora, porque lá tudo te faz sentido, como o mosaico do teu retrato.

Eu tentei entrelaçar o preto dos teus cabelos com o escuro do meu céu. Ele insiste em amanhecer claro. E minhas estrelas e tulipas não reparam no teu vestido. Nem meu sol pálido te reflete. Eu tentei. Mas os retalhos do pierrot não são coloridos nem se podem colorir. Meu retrato é tão sem foco, sem forma. Minhas peças simplesmente não se encaixam. Mas o que me entristece é o meu jardim, as tulipas brancas, o luar, nada combina com teu vestido amarelo, com as tuas flores.

Lá depois daquele sino tem um jardim. Não te levo lá, não.Que tenho minhas vaidades, minhas promessas. Mas sempre espero, amor, com tristeza, o pôr do sol te levar.