domingo, 30 de agosto de 2009

De último andar

De tempos atrás...

Vamos falar de boa sorte
eu jogo dados, decido umas coisas
olho por alto esses prédios altos
um amanhecer
um fim de tarde
coisas que eu quero do começo, inacredita-se
você aqui ao lado
eu prefiro imaginar-te
fala-se sobre toda violência
eu sinto algum absurdo
sangram-se moléculas
acho que já passei por tudo isso
E quando sobre o meu umbigo
sinto como se tivesse derramado sangue no paraíso
minha boa sorte meio que me escorrega.
eu sinto como essas pinturas se movessem
e todo mundo tem algo bom a dizer.
Então fale de boa sorte
somos os azuis e não sabemos como jogar
"tudo é meio que sobre mim e tudo é meio que sobre você
nós só meio que nos perdemos"
então fale pra mim da nossa boa sorte.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

trinta primeiros segundos

"Canetas e livros e comida com meus all-star sujos no chão, pois eu não passo de mais uma amálgama numa lata de sardinha, da classe média à periferia, todo dia". Ela penteava os cabelos pensando em escovar os dentes e escovava se perguntando se era como a TV tinha ensinado. Se os cabelos já estivessem o mais possivelmente à moda de Hitler, ela podia abandonar o apartamento. "se ele pegasse fogo eu perderia... as pessoas sentiriam pena de mim, a dona Dolores... eu iria embora pra longe, talvez fosse para onde coisas acontecem, para onde o mundo já me transformasse no que eu quero ser, sem bienais nunca mais, sem esperar por uma peça, ler sinopses, sem downloads, sem alternativas. Eu saio e não tenho opção se não fazer o que eu gosto, meu próprio mundo stalinista, e se eu quisesse assistir a um blockbuster, me preocuparia em como voltar pra casa depois...não iria...a dona Dolores talvez me desse almoço." Já no primeiro andar, voltava e desligava o gás, olhava a porta sendo trancada por sua chave, tentava guardar a imagem na memória, para não ter que voltar novamente.

As ruas eram claras e frias. A impressão de que todos que perpassam não são nada senão mudos. "Pra onde vai o playboy arrumado senão para o mesmo inferno que eu, se ele não for empregada de cozinha? Será que já fabricam empregados, mas por que o cabelo não está molhado e onde está a sacola? Para onde vai a atendente de telemarketing se ela cruza na direção oposta, se para lá não existem consultórios médicos, odontológicos, publicitários...telefones a se atender? Para onde vão todos esses mudos se deveriam estar indo para onde eu vou, na mesma lata, evitando o mesmo suor? Eles devem ser do futuro, onde eu ainda vou chegar." Continua o mesmo rumo de todos os dias úteis, quando havia pessoas úteis indo para seus lugares misteriosos e desconhecidos, "talvez seitas secretas, escritórios da máfia, escolas sem credenciamento." Aumentava as distancias e diminuia o cansaso, acelerava o passo e perdia a vontade de voltar, perdia a lembrança de como deixara o apartamento, do plano de regressar o mais rápido possível e voltar a dormir, guardava, como ontem, tudo na mesma inconsciencia. "Vou chegar atrasada, direi que tive um acidente, carros batem todo dia, pessoas batem todo dia, estrelas explodem todo dia. Se isso aqui batesse e eu não acho que morreria, iria andando ou esperaria por outra lata com menos sardinhas? Eu não preciso de atestado para acidentes, assaltos, brigas em família, mas talvez ela peça. Eu preciso me fazer um corte, um curativo, um hematoma... talvez precise fingir um choro. Com quem eu brigaria em casa, também justificaria os cortes, senão pelo menos em minha alma, esses eu não preciso fingir, mas esses eu não consigo chorar. Porra, como eu tô atrasada. Oi, tudo bom?" - Oi, cê vai chegar atrasada num vai? "vou sim, me deixa ir, porra agora eu tô mais atrasada... O acidente, não precisa de cortes, posso contar um história inteira, o motorista da frente estava no celular brigando com o empregado da firma porque ele esqueceu da última entrega de ontem a noite, mas eles vão dar um jeito no problema o empregado não vai ser demitido por isso só quando a Joelma esposa dele ficar grávida e ainda vai ser justa-causa o motorista já sabe até o que dizer mas eu não sei ele freia no sinal verde e a gente bate descem todos e eu tenho que esperar a próxima lata com menos sardinhas e por isso cheguei atrasada, pronto é isso" Ela entra na sala
"Bom dia"

- Bom dia

senta, sorri e se cala.

twitter

viver se resume bastante em respirar...

domingo, 9 de agosto de 2009

Bobagem sobre o nascer do sol.

...Pode-se dizer até que já estava acordado há tempo, mas só agora, com as costas na grama, sentia o gélido da manhã arrepiando os pelos do rosto. O sol nascia e morria no céu de Monet e já se tinha um cigarro aceso, um passo cambaleante no longe e olhos para o horizonte. A impressão que dá é que se dorme em um lugar completamente diferente de onde se desperta, o mundo se move quando se move, as coisas, as nuvens, os olhos, o mundo mesmo. Senta-se lado a lado apenas pra se ter a sensação de que algo interessante pode ser dito. Conversa-se na beira dessa estrada, mas ninguém diz nada.

"Eu podia morrer agora. Só porque eu não quero voltar. Ir apenas. Nem importa muito, na verdade, seguir já me basta, fico feliz de não ter que decidir mais nada. Eu não sei mais nada. Me pergunto se alguém sabe mais que eu e sempre me respondo que sim, nunca me corrijo se precisar. Essa grama é tão verde. Será que seria estranho deitar no colo dele? Me parece confortável agora, fosse ele um irmão. Não faria diferença. Certeza que ele não se perguntaria isso. Deitaria se quisesse. Ele já foi mais longe ou será que é sempre até aqui? Me pergunto se eles já chegaram pelo menos até aqui. Isso não deveria importar. Me pergunto se eles se importam, se eles se perguntam, o que importa. Ele deve estar pensando poemas sobre o nascimento agora, sobre o sol, a vida, a natureza e o tempo, essas coisas. Coisas que eu entendo, mas não decoro poemas. Penso se ela gostaria. De poemas, de poetas, dele, de mim. Não paro de refletir sobre nosso próximo passo, sobre quando o sol subir. É o que eu termino por ser, um reflexo do futuro no presente, aprendendo passos de uma dança ainda sem música, uma preocupação sobre o que virá a ser, dançando pelo que já foi. Ele sim, sabe o que é. Eu sou completamente inútil, tanto para o que vai ser, quanto para o que está sendo, qualquer coisa perdida nesse entremeio. Reflito muito o que ainda está pra chegar para poder sentir o prazer de trazê-lo, de muitos caminhos eu perdi a viagem, só me resta o medo de voltar."

"A natureza poupa seu amarelo para o pôr-do-sol. E para o nascer ela poupa o carinho. Porra, isso tudo é muito lindo.A gente tem que curtir. Em pensar que todo mundo ainda está dormindo, ele acabou de levantar e está aqui só curtindo ao meu lado, ela está lá curtindo a dela. A gente devia acender aqui e agora. Porra, eu preciso me libertar, atingir o contato sozinho, que nem eles fazem, sinceramente eu não sei se eles se prendem ou se já estão muito livres, se eu estou preso... O que eu posso fazer é respeitar e só. O que me importa é curtir isso tudo. É tudo muito belo, esse sol, essa natureza, quem é mais nesse mundo que pode aproveitar a beleza disso tudo? Soubesse desenhar eu pintava um quadro agora, dava pra ela. A gente fazendo amor, nós três, a grama, o sol, o céu e deus. Acho que eu estou olhando para Ele agora, e Ele de volta pra mim, e só assim a gente já se ama. Eu abro os braços pra esse olhar, nessa luz Será que ele está curtindo, sentado aqui ao meu lado? Cadê ela? Porra, que fome, a gente tem que arrumar uma grana ou voltar... esse sol vai já doer na vista."

"Está frio, vou abraça-los, depois volto daqui e eles virão atrás de mim. Me preocupo agora, que não devo. Foi uma noite boa da qual eu não posso falar, nem admitir, nem celebrar, foi além do que eu esperava apenas, mas eu não posso convidar, não posso me negar, nem querendo, nem quero. Iria mais a frente, se me prometessem não haver mais volta, nunca mais, não quero é me jogar em mais abismos e depois ter de escalá-los para voltar, só quero uma viajem mais longa com a promessa de que ela não terá volta, nem arrependimentos, nem desculpas, justificativas, castigos, sentimentos, conversas, reconciliações. Todos esses retornos que um retorno trás. Vou abraçá-los e escutar lirismos sobre o nascer e a natureza, quebrar o silêncio, levar as vontades, chamar as decisões. Mas eu discordo do que é cantado em um e do que é silêncio em outro, ainda assim preciso guardar o que já não cabe em mim. Vou voltar."

terça-feira, 4 de agosto de 2009

I'm back, baby!

E me deixaram outra missão. Veio, assim, de repente, pela caixa do correio, às seis da manhã. Ainda tava com sono, mas você sabe, muito tempo sem agir! E precisando de ação. Esperava que fosse para procurar um livro raro, salvar um gato preso numa árvore, descobrir os podres do novo garotão da semana, porque você não imagina como é o meu trabalho! É qualquer coisa que minha velha chefa desejar; só não favores sexuais, porque eu tenho minha dignidade.

Ela me veio com a história que estava em crise, que só agora, nessa etapa da vida, lhe ocorrera pensar a existência, seus propósitos e perspectivas. That’s so last week! Isso é algo que reflito o tempo todo! No momento livre, quando meus olhos se perdem no vazio, advinha no que estou pensando? Exatamente nisso! O que, confesso, não faz muita diferença. Minhas reflexões não me tornaram mais sábia, só mais cética. Não aconselho a seguir meu caminho, sabe. Ela parecia ser tão feliz com suas unhas sempre feitas e seus vestidos combinados com as meias.

“Descubra algo sobre o motivo da existência por mim. Tô em crise” era a mensagem central do papel que me chegara pela manhã, na claridade e frio desagradáveis. Trabalho é trabalho, mesmo cansada de me dedicar a essa causa. Ocorreu-me dar uma volta na cidade, olhar em volta, acompanhar pensamentos alheios. Tédio! As pessoas parecem seguir em frente simplesmente. Sempre em frente. Esse tipo de pergunta nem se coloca. Bah!

À noite, na cama, tive uma idéia. Eu iria espalhar pela cidade mensagens pichadas convocando ao questionamento metafísico, explodir uns prédios, e fazer uma página na internet para a articulação dos possíveis adeptos. Em breve, a multiplicação de revoltados se daria independentemente. Em todo canto, se poderia ler algo do tipo: “você tem certeza que está vivo? O que viemos fazer aqui além de sexo? O que te leva a se levantar todo dia?” E então, todo mundo abandonaria sua vidinha, o seu trabalho – capitalismo estaria arruinado; haveria roubos pelas ruas, depredação, e o caos se instalaria. Seria um bom momento de reflexão para a humanidade!

Fui dormir embalada pela imagem de explosões e gritos dos manifestantes, as ruas ocupadas, tudo pegando fogo. Acordei morrendo de sono. Maldita mania de me deixar levar pelos devaneios noturnos e desperdiçar a noite de descanso. Desisti da idéia que embora promissora iria me cansar consideravelmente. Digitei no Google, com aspas, motivo da existência. Nenhuma resposta séria. Fui ao fórum do Yahoo e lancei a pergunta, com um sorriso de esperança ao me lembrar da Wikipédia.

A natureza usa amarelo

Nature rarer uses yellow
than another Hue-
saves she all for the sunsets
prodigal of blue

[...]

Emily Dickingson

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

analógico

Day in day out
não é dia sim, dia não
ainda temos vírgula
calor, contato, saliva,
calafrio.
Outras carnes ainda nos dão,
pelo menos,
desconfiança.

E todo ódio
ou equivalentes,
ainda não vem em nanopartículas.

Eu ainda não sei...
que reza fazer para ter uma oca
um teletranspote
uma cerca elétrica.

somente sexo por sexo
e olho no olho

domingo, 2 de agosto de 2009

Sunday morning

...

watch out
the world's behind you
there's aways someone around you who will call
it's nothing at all

...


Lou Reed