quarta-feira, 5 de maio de 2010

Farewell Post


Eu não odeio despedidas. Mas eu nunca me despedi, porque despedir-se mata a esperança de que o momento continue. Meus momentos continuam sendo eternos.

Hoje cometerei um algumacoisacídio.

Faço isso porque estou voltando ao papel e às minhas bics. Ainda continuo achando um ato de violência o de tatuar folhas em branco sem contorno nem marcação, mas é mais orgânico, como são os meus grunges tocados no violão. As árvores e os meus tristes ouvintes que o digam.

Vou partir e não sei se voltarei. Não me entenda mal, hoje...não, não é carnaval.
Aos meus improváveis, supostos e imaginários dois leitores eu não deixo nada além do que já deixei e agora não tenho mais paciência nem força nas costas para por de volta na mochila. Façam qualquer uso e depois me contem no que deu.

Estarei mais por aqui do que por aí, mas deixarei pegadas. Lembranças aos que virão, aos que irão e aos que estão.
A gente se esbarra em qualquer semáforo pra cantar uma música do Chico Buarque, mas não vamos combinar nada.
Deixa pra esses acasos aí.

Com carinho e sono.

O autor.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Atravessado

Não era minha primeira opção, mas eu escolho a sombrinha pra me equilibrar na corda bamba que é a linha da evolução. Sigo como pioneiro entre os macacos-poetas e desço dos postes da minha cidade. Desço como muitos já desceram da torre de marfim, ainda que com uma mala pesada. E desço a rua.

Quando Davis é injetado dentro do meu juízo pelo fone de ouvido eu sinto que realmente desço a rua. Ao lado de exaustos e depressivos carros em fim de expediente. Se comportam como se estivessem atrasados para chegar onde simplesmente não têm nenhum compromisso marcado, só pra provar que não faria sentido dormir no emprego.
O sinal abriu e todos nós descemos a rua.

Meu passo é incerto porque não piso nas linhas das calçadas, não por paranóia maníaco-depressiva, só por excesso de infância mesmo. Pelo aspecto das construções da minha cidade tive de mudar algumas regras da brincadeira ou senão simplesmente fincaria os pés em algum único ponto imaculado de onde piso e lá criaria raízes e um conto Kafkiano.
Só não piso em linhas intencionais.
Minha cidade ostenta um charmoso aspecto pós-apocaliptico de ruína grega. Tenho escadas para o nada, colunas que sustentam nada, arbustos e trepadeiras que realmente surgem do nada por meio das fraturas da calçada. Nas quais eu piso.
Essa é a roupa da minha cidade. A mesma de um pré-adolescente filho de pais divorciados, que recentemente deixou de ser vestido pela mãe e está para comprar seu primeiro CD de punk. Minha cidade está ficando rebelde enquanto eu desço sua rua.
Por mais que eu ande, nunca chego onde queria ou deveria chegar, pois a música nunca acaba antes que a calçada. O sinal está aberto e isso não é para mim. Eu vejo a luz verde, o fio dos postes e a lua cheia na grande tela de profundidade púrpura. O céu da minha cidade não é uma imensa obra de arte pintada por deus, não. É um ornamento de escritório: bicolor, comportado, de certo requinte e estilo, nenhuma informação. Ocupa uma parede.
O céu da minha cidade não tem estrela.
Me atravessam os ônibus e me pergunto se pessoas valem a pena. Elas têm contas a pagar, lugares a chegar e costumeiramente atribuem-se o trabalho e a capacidade de criar seres humanos. Checam o resultado dos jogos, o dinheiro da passagem, o último sucesso da rádio preferida do motorista. Precisamos comprar, limpar, jogar fora, abrir espaço para um novo móvel e desocupar uma parede e nossas mentes. Entregar presente e encomendas e por obrigação, temos que nos divertir. Em grupos, de forma segura e com trabalho alheio e garantia que poderemos voltar a salvo e a tempo. Tomamos remédios nos horários certos, mantemos os serviços institucionais em dia e nos olhamos nos olhos quando der tempo.
Pessoas não valem a pena.
O sinal fecha e a vida deve parar. Eu atravesso a rua e a vida. Do outro lado, outra calçada, novas esperanças e de volta a minha infância, logo se vê que as regras são as mesmas. Eu desci a rua e cheguei ao mesmo ponto onde sempre cheguei. Os postes se acabam a minha frente e se acaba a cidade, daqui eu nunca passei.
Daqui eu volto.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Velho eu

Se eu guardasse tudo que é meu
não de você mas de mim mesmo.
Eu descansaria minha alma escaldante
num olhar ao sol de cristal

Não teria que pensar
Teria apenas de agir.
E tudo seria perfeito
Eu me guardo e ninguém se machuca.

Você gostaria de ouvir minha voz e toda sua emoção?
Então dê-me os seus versos.

Eu já posso ver
Em um velho eu
Minhas velhas manias
E minha sincera infelicidade.
Agora eu não posso sentir
Tudo o que não uso
Aqui bem dentro de mim.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Assunto

Eu queria me libertar. Voar por ali onde minha vista não alcança. Deitar sobre sonhos que possam me levar pra longe. Distante. Meu cenário se transformará. Ou se não quiser, que apenas eu sinta que não houve nada. Que eu morra buscando meu horizonte perdido nos meus dias igualmente perdidos. E essa vontade cresce e me preenche. Não me conforta. Peço por favor que não me deixe assim. Tempo. Que não acabe antes de ver o que há depois, no fim da terra. O que há além daquela linha que nunca alcanço. Imaginária. Leve e solta. Tênue. Como minha própria vida é. Uma linha apenas. E nada depois acontece, no dia que ela partir, eu desejo. Apenas que não haja mais nada além daqui. Não sei se suportaria o meu bem e o meu mal ali. Eu quero apenas parar de pensar. Ou pensar em algo que me traga uma maior tranquilidade. Eu sinto muito por tudo. Eu não desejei isso. Foi só meu instinto quando eu não sabia fazer mais nada. Correr e alcançar. Desfalecer.

Momento Confesso

Um garoto sentado na areia observando o mar pela primeira vez. Nesse momento ele tem a certeza que seus jovens olhos conheceram uma das coisas mais fascinantes e envolventes de seu mundo. O misterioso, o imponente e sedutor gigante que faz tantos corações baterem de maneiras diferentes e tantas cabeças divagarem em pensamentos diversos e tão profundos quanto o próprio mar.

Enquanto escrevo essas linhas sinto-me carregado de volta ao momento em que a vi com meus olhos abertos pela primeira vez. A sensação de fitar o horizonte, estático, arrebatado, sem sequer saber o que eu poderia encontrar ali se algum dia eu conseguisse alcançar o ponto em que meu olhar estava fixo, sem me importar com a força que as águas me receberiam.

Esquecer de mim nos seus belos olhos que articulam palavras sedutoras melhor que quaisquer lábios e que são tão ou mais indecifráveis e atraentes quanto o famoso sorriso italiano que repousa no Louvre foi, e sempre será, meu refúgio. Minha fuga nas noites insones, subterfúgio da minha mente inerme que perdia batalhas e batalhas para meus problemas e transtornos. Não que eu tenha me tornado prole de Palas e esteja com um arsenal invasivo e preparado para vencer ou perder qualquer guerra, agora eu simplesmente declarei paz, não preciso mais temer a escuridão de forma pueril.

É um anjo desenhado na mais bela mulher. A alegria projetada em um sorriso magistral. A ternura figurada no mais penetrante olhar. A segurança entrelaçada no mais envolvente abraço. É o Éden alcançado no mais estonteante beijo.

Quando ela caminha em minha direção tento manter a calma, mas minha postura vacila no momento que meus olhos encontram a silueta dela, caprichosamente desenhada à mão por Deus com seu nanquim divino, enquanto não pareço mais que um esboço de gente ao lado dela, fico com a impressão que deveria sentir-me pequeno, mas acabo me sentindo o mais orgulhoso e realizado dos homens por tê-la em meus braços. Nesse momento assumo: sou altivo, arrogante e convencido, tudo isso em um pecador só, pois tenho plena certeza que trago essa rosa tão almejada ao meu lado, transformando-me, de pecador ao mais dedicados dentre os jardineiros.

Uma mistura de sensações, onde um encanto completa o outro em um deleite comparável a uma miscelânea de drama, comédia e romance. A ficção se torna realidade nessa compilação humana de sensações inalcançáveis por palavras ou gestos. A mulher que não quer ser idealizada se torna ideal para o sujeito que nunca idealizou relação nenhuma e agora está em busca de redenção. Redenção essa que é apoiada, sustentada e incentivada pela voz suave que eu tanto aguardo todos os dias e que me tira dos eixos, me arranca as respostas e trava qualquer reação, sou vulnerável como o mais importante guerreiro de Ilíada é frágil em seu calcanhar, entretando, não temo nenhuma flecha traiçoeira, pois pela flecha mais poderosa de Eros já fui atingido e eu quero que essa ferida não cicatrize jamais.

Sua voz ecoa na minha cabeça e se espalha no meu coração. O amor preenche os espaços antigamente vazios ou feridos substituindo meu sangue com a essência deste que é o mais puro e enérgico dos sentimentos, você está vivendo sob a minha pele, enraizada em um lugar que não sairá nem quando as trevas iluminarem caminhos ou a luz do dia anunciar o fim das eras em um mundo virado às avessas.

terça-feira, 6 de abril de 2010





Uma homenagem a tudo o que é demodé e ao tempo em que eu tinha MTV grátis.

Q'boa

O que eu me lembro de você
são todas as coisas fáceis
como não gostar de mim.
Rios de lágrimas não têm nada a ver, não.
Eu só deixei a torneira ligada
pra ficar mais fácil escorrer
tudo que eu tô tentando lavar

seu sangue de barata
seu despenteado
e todos os meus antigos cds
vão por água abaixo
tudo vai
por água abaixo.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

A ordem das coisas II

Os dias iam passando-se um no lugar do outro, porque é assim que os dias passam. Todas as manhãs, como se não houvessem manhãs anteriores, acordava-se com os mesmos problemas e levantava-se com as mesmas decisões e, talvez pela tontura ou pela temperatura da água ou pelo volume da música, fazia tudo diferente. Igual ao dia anterior, ainda que esse dia não exista. No máximo, vinte e quatro horas esmagadas por outras vinte e quatro horas fatidicamente parecidas.
Foi numa dessas madrugadas claras e às claras que Caio e Hilda e Thomas o ensinaram que o amor pode sim ser conjugado no presente simples (e portanto, em qualquer simples presente), se for feito isso com mais que a boca aberta. Assim, em si e a dois, ele e o dia se encerraram no ponto em que a terra decidira dar outra volta.

Foi o abraço mais sincero do último ano.
- Eu escolho você, amor. Não porque nos unimos nem porque nos opomos. Só porque nos misturamos. Eu escolho você não porque preciso, não porque quero ou porque eu posso, não. Na verdade, eu não sei. Mas enquanto houverem escolhas, e ainda quando não houverem, nesse restaurante num deserto no fim do mundo, eu deixo seu prato ao meu lado e divido meu sushi com a cadeira vazia, cheia de você. Eu escolho você não porque eu gosto dos seus discos nem porque você gosta dos meus, mas porque tanto uns como os outros estão espalhados pelo quarto e eu não consigo mais dizer se algum dia algum me pertenceu. Você não precisa mais assistir a esses filmes em preto e branco, até porque nunca precisou. Nem precisa ler todos esses Bukowskis nem esses Wildes, ainda que eu saiba que gostaria. Você só precisa intrometer-se na minha vida como se ela fosse sua. Agora me atrevo a dizer que ela o é. Vamos apenas dançar quando nós dois quisermos dançar, mas não façamos questão de nada, como nunca fizemos. Falemos tudo o que tivermos a falar e quando acabarem as palavras eu vou olhar nos teus olhos até o mundo ao redor deles envelhecer, porque eu escolho esses olhos, amor, pro mundo ficar velho ao redor.

Madrugada

"Ninguém haveria de dizer que eu estava no caminho certo. Ninguém me estenderia a mão, essas coisas que costumam costurar, num tom de melodrama, o que rompido foi desde que meteram-me nessa tal lenda dos anos lá naquela madrugada, olha só, lá mesmo, logo aqui, espia!, nessa arquejante química entre carcaças debaixo do edredom que sufoca-, essa coberta a encenar um orgulhoso mármore de lápide. Não, ninguém haveria de abrir seu beneplácito diante de minha queda aqui à beira do rio de férvidos miasmas. Desnecessário dizer: exatamente como em velhas histórias gregas que hoje os doutos clamam de boca cheia como sendo emissárias do tal do "sentimento do trágico", isso mesmo!, quando um personagem se fode sem remédio e assim mesmo vai marchando tal e qual se dirigisse em regozijo a um casamento com suas próprias trevas, marchando para aquele estado só mucosas, em que o macho empurrando-empurrando fecundava a vítima cujas pernas, engatadas em volta do glúteo musculoso do atleta, quiçá até golpeado a bunda do fogoso galo, ah, sedosas e em ligas debruadas sonhavam viver uma relutância difícil de envergar: são pernas? É ela toda, olha!, vertendo-se de sí pra besuntar essa penetração da fera já em vômitos, coitada! É ela, veja!, é a mãe agora já entregue à lassidão, exército de uma mulher só inerme no campo de batalha, embora ainda debaixo dos noventa quilos do pai amordaçado para sempre pelo beijo cravado da megera; é ela já contendo nas entranhas a semente do santo que sim, sou, não nego-,aqui bebendo da água escura desse rio, um cão, um verdadeiro cão para o qual ninguém mais olhará em tom de afago, deixando que o bicho beba até o fim todo o fermentado e morno mijo da cidade..."

João Gilberto Noll

quarta-feira, 31 de março de 2010



"I said what I said but you know what I mean"

Do subsolo.

"We were aiming for the moon,
we were shooting at the stars,
but the kids were just shooting at the busses and the cars"


E é assim que funciona aqui embaixo. Lembre-se que você até viu o pôr-do-sol e que estava com dor de barriga, que as crianças são saudáveis e inteligentes e não serão médicas e que você o amou um dia... um dia. E é assim que funciona quando você lê o poema aí de cima, porque são essas lembranças que sobram aqui embaixo. Nas nossas ruas moram o palhaço sem maquiagem, o poeta nunca lido e num daqueles quitinetes da esquina vive o cantor que morreu de aids. Recentemente abrimos um museu. Pois é, nós temos umas entranhas de gente famosa por lá e eu soube que vão construir uma ala especial para o passado vergonhoso que vocês escondem aí em cima. Tinham a intenção de fazer uma parte pra cada tempo, sabe? Mas daqui a uns tempos teremos que entregar o futuro desastroso que vocês insistem em querer guardar aqui embaixo...
De qualquer forma, eu tenho um recado da sua consciência faz tempo: é que queria sair daqui debaixo de vez em quando, entende? Ela acha que poderia ser útil...

Desjuízo

"Queria o mundo pr'eu me saciar e um megafone pra ouvir dizer. pelas antenas que vão avisar por deus. ou o diabo que vai te falar que o fim do mundo não acaba a vida. na luz vermelha da antena já dá pra ver. talvez eu fique, quem sabe você vá. diz-se apenas que um dia estaremos de novo no mesmo lugar. eu vou esperar você. o que ninguém sabe, a antena dirá, não aos ouvidos, mas ao nosso olhar. queria ir no que está por vir, já que eu não sei se seremos assim ou se outros, como nós fazemos agora, falarão por nós."

Quem sou eu pra falar do fim. Eu só posso esperar e descarbonizar-me. Onde eu vou parar não me importa mais, que eu não sei nem onde piso. Pra que apontar essas luzes que olham do céu, se me atropelarem essas luzes que correm no chão? Se todo mundo é colorido, já não importa mais, se todo mundo vê o mundo em preto e branco.

Ser é mais que ser. E já que eu não quero ser só você, eu lavo as minhas mãos e eu fecho os olhos e no escuro posso ser qualquer um.

sábado, 27 de março de 2010



só com a rita.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Presente feito em casa

- Vai quebrar, vai quebrar.
quebrou.
- Eu avisei, não avisei?
Tinha que ser delicado e tinha que ter os dedos leves, levinhos, levíssimos.
Mas enquanto tentava entender que -íssimos não fazem parte da poética dos barbantes, ele errava, rasgava e tantava de novo.
- Olha só, cuidado... cuidado. Não!
Outro.
Enquanto isso se perdiam os panos, as linhas e os barbantes. Além do sentido de carinho da coisa.

Sudoeste

"Tenho por princípios nunca fechar portas
mas como mantê-las abertas
o tempo todo?
se em certos dias o vento quer derrubar tudo."

Adriana Calcanhotto

Uns pedacinhos do fim

Eu não explodo, nunca. na verdade me parece mais que eu apenas perco pedaços e me desconstruo. fosse feito só de esperanças, a essa altura eu talvez só tivesse pés. por causa da vida, temo perdê-los. creio que dentro de alguns dias serei apenas um dedo. para apontar tudo que já me aconteceu. sinceramente, eu não sei o que fazer, não me parece boa idéia tentar me proteger agora, se é que já não o faço. já não sinto com integridade todas as seções da minha vida, certas galerias não possuem mais um quadro a perder, outras paredes começam a ser preenchidas agora, com obras que eu nunca sonhei possuir, mas que eu temo, como temo tudo que é necessário.
Acho que brevemente terei simplesmente que fechar portas, depois de enxaguar o chão e cerrar as janelas, negar luzes. aos visitantes futuros e aos possíveis atuais, peço perdão, mas agora espero que apenas saia, depois de ficar à vontade para aprender o que quiser com o que sobrou de mim.
Parece haver muito mais a dizer, mas meus olhos pesam e não quero molhar o papel. isso tem se tornado cada vez mais frequente, essa pressão atrás dos meus olhos e o nó na minha garganta. quero parar nos registros apenas, sabendo que nada irá se interromper na linha de existência.
Agora acho que certas obras deveriam me pertencer apenas.

Asilos Magdalena



"Enfermo cheguei
E para me compor
Ando incerto
Não me dê sua obediência
Porque te mostro meu corpo de lobo
De onde a pele estava débil
Com uma fome que não me deixa cantar

Na minha vida
O escuro me mantém
Quando eu te vi
Na chuva me prometeste teu sangue
Eu não fico...

E já que caíste deste mundo
Carrego uma navalha
Deus meu!
Para você
Quantas vezes me mordeste
E quantas vezes eu me fui

E já não estou apaixonado
Com tuas mentiras
No inferno durmo
Porque o inferno é a única verdade"

Cedric Bixler-Zavala

sexta-feira, 5 de março de 2010

Mexerico

Numa calçada do Éden, conversam Adão e um coelho, enquanto passa o tempo.
- Olha aí o tempo!
- Opa!
- Opa!
- Opa!

...

- Sempre apressado ele, né? Deve de ser muito ocupado.
- É, mas quem se ocupa muito, Adão, é porque tem pouco o que fazer.

A parte que te cabe

Correm as horas, dobram os sinos, latem, ladram, mordem os cães.
Morrem os homens
Vivas às mulheres
e crianças primeiro.
O oxigênio passa
O pulmão não vê
A tinta colore
O muro separa
E derruba o muro qualquer um que quiser.
O autor escreve
O artista recita
Quem vê inveja, admira, critica.
O sol nasce, queima e morre.
deus esquece
o diabo não.
E eu...
Eu.
Eu espero.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Por amor a gravidade

Eu tive tanta pressa naquele dia. Como nunca caia nada em meu telhado estranhei o barulho na minha cabeça. Algo está errado quando se pensa errado. Isso é mais lógico do que realmente possa ser. E alguém me diria que era só barulho em chuva caindo. Ou que eu imaginava coisas. Que eu desenhava coisas que desejava. Me falaram sobre uma lógica que se aplica a todas as coisas. E eu apenas desejava ser mais colorido em papel. Mais vivo assim com um sorriso bem grande. Uma grande fatia de melancia vermelha. E olhos pequenos pra não poder ver o que realmente acontece agora. Eu só queria sim. Parecer subjetivamente mais vivo. Enrolado num grande lençol amarelo. Fingindo ser um fantasma. Uma alma do passado perdida entre mundos que parecem estranhamente unidos pela grande fé dos que dizem ter fé.
Não me sinto assim tão compreendido. Nem deveria. Viraram os holofotes na minha direção e meus olhos só ardem. Através dessa luz consigo ver reflexos do que não deveriam ser nada. Se não há nada a refletir em holofotes eles não são espelhos. Acho que sou eu quem não entende as coisas como devem ser entendidas. Distorcendo a realidade em luzes e cores que só existem pros meus olhos. E refletindo sobre existencialismos falsos. Colocando o pé antes de olhar o caminho. Caindo sem perceber. Tropeçando na vida alheia como se fosse comum. Quem não vê o mundo assim como essa grande esfera comum sou eu. Ou talvez, seja meu pensamento falando comigo mesmo em voz alta, que me faça pensar que isso é estranho e rico em detalhes que desconheço. Eu simplesmente acho que novamente caí em delírio. Eu falhei.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Palhaço na lua

"Minhas lágrimas são como a brisa suave
de pétalas d'alguma rosa mágica;
e toda tristeza vem da caverna
de esquecidos céus e flocos de neve.

tenho pra mim que caso eu tocasse a terra
ela se desfaria.
É tão belo e melancólico,
tão tremendamente onírico"

Dylan Thomas

Dizendo tudo

"O meu processo criativo consiste numa ininterrupta construção e destruição de imagens saídas do âmago central, ao mesmo tempo, destruidor e construtor."

Dylan Thomas.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Abrindo portas sem mescalina.

Vou me trocar em miúdos ali atrás porta do banheiro social. Você não verá, não hoje, que está muito óbvio. Hoje nós vamos apenas olhar para o céu e eu vou te dizer que no meu mundo perfeito existe sempre uma antena cortando o firmamento. É belo como a foto que você tirou de pescoço estirado para cima e olhar estirado sabe lá deus para que vácuo. Se você quer compreender apenas admita que a unha do seu dedo mindinho do pé está tão existencialmente preocupada quanto o nosso cego e arrogante "eu". Assim todas essas antenas ganham um ar de quem observa permanente a impermanência inevitável das nuvens púrpuras da noite escura. E você aí pensando que entidade invisível escrita em que livro sagrado rege o seu destino. Pergunte a elas como é ser levado pelo vento de um horizonte a outro, numa lentidão que dá a certeza do despropósito, apenas pra servir de cama para o sol. Mas não deve haver espanto quando a voz de uma nuvem se desfizer na voz aguda de infinitas partículas subatômicas que abrigam sim um universo em cada uma. Quando percebermos que se lilipute pode estar num grão de poeira do nosso livro menos lido, existem ainda muitas bibliotecas empoeiradas nas esquinas de lilipute.

E é por tudo isso que eu não chateio os bonecos da minha estante tecendo a ponto cruzado considerações sobre a incapacidade do meu próximo de entender que qualquer um é capaz de dormir com o cabelo azul e acordar encarando a própria alma preparando um misto quente na cozinha de casa. Imagine então a insignificância que é mudar de opinião sobre a combinação de roupas de um alguém tão conhecidamente indeciso como o amor, perante o sacrifício bíblico que representa a atitude da antena.

A morte sem nome

"A gente leva uma vida tão solitária e acha que precisa completar.
Que bobagem! A gente leva uma vida tão solitária que eu achava que precisava de algo mais. Onde estava? Correndo nas minhas veias, pulsando em meu corpo, paixão e hormônios que me levavam do amor à decepção, passando por todo o tipo de doenças. Que bobagem! Poderia completar sozinha, com meus próprios dedos. Poderia cozinhar sozinha com minhas próprias mãos. Poderia tomar banho enxaguar o cabelo, esfregar o chão e virar a garrafa de vodca sem ajuda de ninguém. Por que procurei? Para assistir, para ver seus belos olhos nos meus, para refletir minha ansiedade nos seus belos, belos, belos olhos que nem azuis eram."

Santiago Nazarian

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A víscera do universo.

E então, após queimar todos os apartamentos de cada um dos cinco andares do condomínio mais central da cidade, caminho pela rua vazia e escura. uma ainda penteia-se frente ao espelho, por entre o fogo, outro apenas observa pela janela. não há gritos, apenas o crepitar dos trinta anos abrigando depressões, todos os seus fantasmas recentes e enlouquecidos pela solidão dos quartos pequenos, sujos e transtornados.
Sempre podemos sentí-las, almas que continuam sua vida na nossa. por isso, não se ouve uma voz. liquefaço-me, escorro pelos bueiros abaixo e carrego comigo todos os descartáveis papéis, lágrimas e abortos. levo tudo o que ninguém quer, diluo, dissolvo, misturo e devolvo.

já a chuva é ácida e a pele impermeável. meu corpo se estira no asfalto. no céu estira-se um lindo dia de sol branco. abrem-se as portas e cruzam-se os corpos. olhos, olhos, olhos e o chão rachado, apático me transmite calor, doenças e o dia de ontem. o chão não consegue dormir e a terra guarda rancor do pé que a pisou. ouve-se as máquinas mas não se vê.
a engrenagem se contorce como os dedos cruzados de minhas mãos sobre o meu peito. já estive frente as câmeras, me dividi em infinitos pedaços e fui jogado aos céus para voltar como uma massa vazia dentro da televisão. direto para seus olhos e eles direto para seu prato.

enquanto isso, por entre as engrenagens de meus dedos, passeia o verme.

esse carbono que sou faz aniversário de mais uma eternidade, sabendo ser isso apenas parte de uma vida sem infância, apodrecimento e morte. ego sum qui sum. porque nunca fui, nem nunca serei. sou, apenas.

2+2=5

"Você é tão sonhador a ponto de pôr o mundo nos eixos?
Eu vou ficar em casa
para sempre
onde dois mais dois
é sempre igual a cinco

Eu vou baixar as faixas
os sacos de areia
e me esconder.
Janeiro tem as águas de abril
e dois mais dois
é sempre igual a cinco."

[...]

Thom Yorke, claro.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Ir dormir.

Todo dia acordo-me pra fora, como quem emerge das alegrias do inferno. Onde queimam-se todos os erros que eu gostaria que você cometesse. E eu me livraria de todas as culpas. Mas tudo só dá errado em sonhos. Aqui fora vai tudo insuportavelmente bem, eu ainda seguro todos os meus demônios atrás dos meus olhos e os levo para passear entre os carros durante os finais de tarde.

Porque não queremos que outro monstro dê opinião.

Mas eu posso estar errado, ainda que possa jurar que essas estrelas que caem são as que mais brilham. Agora que estou acordado, vamos nos enganar. Eu prefiro manter parado o meu corpo, já que não posso impedir os planetas do meu universo de girarem. Eu posso ouvir, e posso observá-los, mas eu não vou dançar.

Porque não queremos que os loucos tomem o controle.

Então agarrem-me em meu sono, me amarrem e deixem sob a água. Pois se não sabemos viver entre o sonho e o surreal, abro minha mão para manter apenas um pássaro. Que com os dois, não me sinto voando.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Ignore

Vou vomitar um pouco. Então não ponha os meus talheres. Não me reserve aquele lugar na mesa. Chame algum amigo seu. Alguma amiga mais íntima. Hoje eu estou intragável. Então não me beije. Não me olhe assim. Apenas não me abrace como de costume ou tente fazer graça com as mesmas piadas. Não tente fazer graça nenhuma. Porque hoje eu vomitei nos meus próprios pés. E continuo com essa ânsia. Esse mal estar. Esse mal estado. Sentada em uma cadeira qualquer quero passar o resto desse instante. Eu acho que tenho esse direito.
Sinto muito por não poder contribuir com seu sorriso hoje. Por apagar um pouco o seu brilho. Não queria chamar atenção. Apenas me reservei pra hoje. E não quero jantar o meu próprio vômito. Não insista em por a mesa no ângulo que eu gosto. Não se importe de colocar as flores visíveis. Melhor, nem compre flores. Ando um tanto enjoada de perfumes. Ando um tanto enjoada. De tudo um pouco em muito me enoja.
Eu concordo que o esforço é inútil, quando não se tem compensação. E hoje estou assim descompensada. “Uma loucura leve e doce faz bem de vez em quando.” Me disseram isso quando a sala se inclinava para atingir um novo ângulo. Um novo ponto de vista. Uma nova vista. E a conversa muda de assunto. Ou se muda a conversa pra se iniciar uma discussão. E não quero realmente isso. Esse falatório todo. Essas vozes invadindo o meu silêncio. Tentando colocar explicações na minha vida “errante”. Não se pode isso e aquilo se não fizer o outro.
Acho que deliro. É só um delírio, sim. De certa forma sempre foi. O que não é real pra você, faz todo o sentido pra mim. E não só isso. Aquilo também é importante. Não vou me colocar a prova... não me coloco em prova por qualquer pouca coisa que seja. Intensamente. Preciso que me diga que isso não é mais só eu. E que você entende perfeitamente o que quero dizer. Essa falta de sentido talvez me faça sentir importante quando escuto “eu entendo.”. É simples. Eu nunca disse que seria completamente complicado.

Nova ordem

Tudo está onde deveria estar
o mundo abrindo seus olhos de vidro
todo azul sobre telhas e nuvens
o olhar lento
e o estômago vazio

Pudesse eu queria desgravitar
desse azulejo branco
falava merda nos planetas pra perturbar
e em saturno um novo encanto
Dos últimos andares eu me contento
em cuspir no cidadão de bem
só de mau
pra me sentir além de qualquer sinal
desses de transitar.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Apocalipse armorial

Põe no sol o teu vestido de festa
que acenderam luz lá na praça
e hoje vais dançar
amarelando o mundo em poeira
de juízo queimado
e pedaço de pé
na terra seca
do dia de todo final
sangrado de fé.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Da condição de idiota

Não apenas de idiotice vive o idiota, mas de toda faísca de tédio que o ilumina. Pode se perceber, então, que aquilo tudo que se fez nem era preciso. Talvez não fizesse diferença o estresse em parecer atraente, em mostrar-se sempre vivo em comentários e ações. Não foi na busca de sobressair-se que o pequeno sentiu-se grande e que o opaco brilhou como nunca. Não foi no esforço em fazer coisas notáveis, que se encontrou o desejado reconhecimento.

Desnecessário acompanhar as últimas tendências, em cento e vinte e cinco canais. Nada além de inútil escutar todos os últimos álbuns mais tocados da semana. Porque quando há uma escolha pela quantidade, não há tempo suficiente. Não se degusta. Além do mais, a admiração dos outros se vai rápido como todo crepúsculo e deixa sempre o idiota só, precisando fazer tudo de novo, a introduzir-se incansavelmente no ciclo de conquista de sorrisos amarelos.

Ele acha que é especial, que sua existência faz diferença para a continuação da vida na Terra. Ele se julga capaz de grandes feitos, de transformação brutal do que há de errado e feio no mundo. Mal sabe ele que se capaz for de procurar em si seus bons três acordes melódicos e repeti-los; suas boas cinco frases de efeito e guardá-las para si; sua combinação de passos dançantes; suas misturas exóticas de desejos inadmissíveis; talvez, com muita sorte, esteja salvo. Ele não faz idéia que a boa arte só realmente entendida por quem a faz.

O tédio o aproxima de si. Permite analisar com mais calma o sabor de suas ações. O que ele tanto se preocupa em conseguir é realmente digno? O que faz bem? Apenas no tédio, o idiota se permite parar de correr e girar a roda de sua gaiola. A tontura diminui aos poucos. E vê, que para sua terrível surpresa, que não há ninguém assistindo. Ninguém presta a menor atenção em seus árduos esforços de ser uma estrela cadente.

O idiota não sabe que é apenas sombra, como todos os outros. Ele, às vezes, desconfia, mas faz de tudo para esquecer a possibilidade. Sombra que se vai rápido, que não se conhece, nem pode. Envolvida está em despertar o interesse alheio, em ser amada e aceita. E isso leva tudo. Não sobra nada que a idiotice para o idiota.

Hans

Hans era um zumbi alemão que vivia no centro da cidade. Haviam grandes telões nas paredes dos arranha céus, exibindo amostras nonsense de pesadelos vídeo- musicais, celebridades mortas e noticiários, sob um noturno céu multicolorido e movimentado, marcado por aquarelas permanentes em forma de fogos, penetrado por antenas iluminadas com neon, rasgado por espaço- naves, estrelas e anjos cadentes e orações via satélite. Ainda que misantropo, Hans não tinha consciência de sua própria condição. Ainda que Joana ainda não tivesse partido, já se sentia sozinho.

Não há muitos registros de relações harmoniozas entre meio-mortos e artificialmente vivos, mas os vizinhos dizem que Frank já era como que da família, as línguas más-soltas afirmam até que não só era membro integrante como necessário. Hans não trabalhava e Joana era zumbi de circo. Frank operava telemarketing.

Fazia pouco menos de um mês que se podia ver o encontro diário dos artistas do Mondo (I)real no galpão abandonado, havia pouco tempo que Joana encantara-se pelo percussionista da banda e decidira aprender acrobacias, malabares e receitas veganas. Por vezes, entre uma pirueta e outra, podia-se ver uma perna voando ou um olhos virados, mas todos eram conscientes, sorridentes, equilibrados. O vizinho do 512 sempre descia para oferecer suco, vestido com alguma lingerie, ainda que comportada.

A noite em que Joana foi embora foi dessas de céu muito preto e luz muito clara. A imagem de Hans sentado nas escadas segurando os rubros globos oculares nas mãos não era de difícil reprodução, rodeado de papéis de panfletos, jornais e embalagens de metanfetaminas, enquanto Frank subia e descia os lances numa aparente pane de sistema. Joana lá fora, guardava os malabares na Combi colorida, entre sorrisos, soluços e engasgos.
- Você realmente não quer vir?
- Mas como?
- Ele é só uma porra de uma lata, Hans.
- Fala baixo.
- Eu só quero que você saiba que isso aqui não é o fim, que nossos corações não batem, mas se encontram quando nos abraçamos.
- Se for pra falar essa merda, vai logo.
- Eu vou te mandar pensamentos felizes.
- Ai, caralho.
E assim ela se foi, deixou pra trás uma porta inteira do guarda-roupa ocupada de roupas e esperança. Nunca voltou. Mesmo depois que o movimento se acabou e a tenda criou mofo. Só chegaram postais.
Hans colocou os olhos de volta nas órbitas, tirou a cabeça de cima do pescoço e a manteve pressionada contra o peito por três dias até que finalmente decidiu subir ao seu apartamento.

A morte-e-vida de Hans não ia muito além das paredes do prédio, cuidava de sentir falta, manter a sobrevivência. O noticiário anunciara a substituição dos modelos beta o mais breve possível e desde então criou-se certo desconforto social com a inquietação de todos os X-114, Frank desenvolveu paranóia, depressão e um desolador quadro esquizofrênico. Tentou suicídio de diversas formas, desde a ingestão de líquidos fatais como limonada até o vazamento proposital de fluido. Consta que Hans fez o possível, que Frank duraria, que tudo daria o que deveria dar.

O laudo médico, mecânico e policial daquela noite despertou horror durante três minutos do noticiário. Foram encontradas as roupas de Joana jogadas ao chão, comentam que Hans vestia uma delas durante o maquinocídio e que Frank foi sexualmente violentado após sua morte. Essa manhã muitos robôs e zumbis saíram em passeata em prol do movimento de humanização das máquinas inteligentes.

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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Dare

Me ser é dançar
no escuro só com a luz do stand by
apertar os olhos e me ter a pular no espaço de lua em luar
em estrela
entre radio-transmissões
colhendo crenças, conspirações e chás gelados para corações partidos
de carona no nosso eu
ao fim da música eu vou parar.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

budistas

Ainda há essa gente que corre mais que o mais possa correr
pra ir buscar um sentido, uma razão, um ser
seu próprio.
sentindo nos calcanhares tudo o que miram o olhos
e trazem de volta significados para palavras já ditas
como que desdizendo-as ao pintar nova aquarela com as mesmas cores da antiga.
Tudo simplesmente pela arte, e ela por ela própria e mais ninguém.
Não me apercebo se seu horizonte tornou-se vertical.
Mas te sigo por todo o teu caminho de ida e de volta e de revolta sem repetir qualquer traçado fora do meu concreto ou do raio das minhas antenas.
te sugo a ti e a outros tantos quanto meus poros possam equivaler
Ao te devorar deixo no prato os restos que expulsariam minha essência.
Logo te tornas o que me torno e não te percebo mais em mim.
Te troco
mas apenas te uno a outro
assim me torno o mundo
pois meus contáveis sentidos
são apenas portas para o infinito.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A rua de casa.

Enquanto estou aqui esperando amanhecer, nunca deixo aquela rua. Nem vou deixar..Quando numa noite dessas eu estiver de passagem - ou de volta - e me encontrar. Quero ter um Band-aid pra me entregar e por no meu dedão. Algum conselho a receber.

Da minha janela eu não consigo ver agora. Mas sei que estou ali sob o poste solitário de luz amarelada, sentado na calçada, brincando com as pedras pequenas que já brotam do asfalto. E dessa noite, por mais que eu veja nascer o sol de Manchester ao Tibet, nunca sairei.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O marinheiro Ian

Esperanza para a terra,
Esperanza para a terra.

Eu queria alguém para quem cantar. Mas vocês parecem tão longe que até parecem o passado. Eu sei que estão aí, presentes, cada um é o próximo do outro e é amado como a palavra manda ser. Eu não me sinto mais o próximo de ninguém. Esse céu amarelo queimado de luz morrente, não é de Deus, não. Porque se fosse Dele tinha um passarinho, tinha passarão, e como tudo que se compre na omnisciência, o passarão come o passarinho. Aqui, o homo não sapiens nem habilis nem mortuo. Eu não lembro porque não sei nem nunca soube ou um dia saberei. Esperanza para terra, nós chegamos. Aqui se descansou no sétimo dia, nós descansaremos até o que veio depois do segundo milésimo dos anos. Nós chegamos e não sabemos se queremos ficar ou como sair. Eu acho que iremos apenas ir. Eu deixo amores para fazer companhia aos meus beijos que ficaram, mas não mando lembranças nem qualquer outra coisa porque elas e tudo o mais já ficaram aí. Mando palavras para meus desamores, pois é só o que me resta, mas já não presta pra nada. É apenas para que não esqueçam. No embrulho das palaras vai um pedacinho da lua, ou pelo menos o que eu acho que o seja. Peço que coloquem ao lado do meu coração quando ele parecer apaixonado e, quando acontecer, que a dêem a ele um violão. Dia desses acordei pensando nas saudades que deixei, mas não tenho nada para mandar pra elas. Mas se elas ainda morarem lá em casa, eu queria que lembrassem a chave e a fechadura pra depois que se casarem, guardarem a minha mãe. O Timoneiro Ivan disse que mães são coisas sagradas, então é melhor guardar a minha pras saudades não ficarem brincando com ela, pode quebrar.

Daqui há muito o que se dizer, mas nada deve ser dito.
Devo ter deixado meus desejos dentro da gaveta mais baixa do guarda roupa, lá deve estar o desejo de que vocês encontrem todo o amor que O Poeta disse que a humanidade precisa, ou que alguém descubra uma terra boa para plantá-lo.

O marinheiro Ian

Esperanza para a terra,
Esperanza para a terra.

Eu queria alguém para quem cantar. Mas vocês parecem tão longe que até parecem o passado. Eu sei que estão aí, presentes, cada um é o próximo do outro e é amado como a palavra manda ser. Eu não me sinto mais o próximo de ninguém. Esse céu amarelo queimado de luz morrente, não é de Deus, não. Porque se fosse Dele tinha um passarinho, tinha passarão, e como tudo que se compre na omnisciência, o passarão come o passarinho. Aqui, o homo não sapiens nem habilis nem mortuo. Eu não lembro porque não sei nem nunca soube ou um dia saberei. Esperanza para terra, nós chegamos. Aqui se descansou no sétimo dia, nós descansaremos até o que veio depois do segundo milésimo dos anos. Nós chegamos e não sabemos se queremos ficar ou como sair. Eu acho que iremos apenas ir. Eu deixo amores para fazer companhia aos meus beijos que ficaram, mas não mando lembranças nem qualquer outra coisa porque elas e tudo o mais já ficaram aí. Mando palavras para meus desamores, pois é só o que me resta, mas já não presta pra nada. É apenas para que não esqueçam. No embrulho das palaras vai um pedacinho da lua, ou pelo menos o que eu acho que o seja. Peço que coloquem ao lado do meu coração quando ele parecer apaixonado e, quando acontecer, que a dêem a ele um violão. Dia desses acordei pensando nas saudades que deixei, mas não tenho nada para mandar pra elas. Mas se elas ainda morarem lá em casa, eu queria que lembrassem a chave e a fechadura pra depois que se casarem, guardarem a minha mãe. O Timoneiro Ivan disse que mães são coisas sagradas, então é melhor guardar a minha pras saudades não ficarem brincando com ela, pode quebrar.

Daqui há muito o que se dizer, mas nada deve ser dito.
Devo ter deixado meus desejos dentro da gaveta mais baixa do guarda roupa, lá deve estar o desejo de que vocês encontrem todo o amor que O Poeta disse que a humanidade precisa, ou que alguém descubra uma terra boa para plantá-lo.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Polietileno

Fora desse ar
nós vamos e nos assustamos
com tudo que irá ser.
Sacolas plásticas carregam meus sonhos
com mais tato do que um terceiro ou quarto vento.

Se eu tiver um medo
eu vou lá e te chamo.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Arpejo

O meu arpejo me cercou. O agora em notas que me envolvem e me tocam em acordes que me envergonham. É voz em tom suave que chega perto do ouvido. Eu a ouvir os teus cantos. Se me enlaço em teus braços é pra não cair em prantos.
A minha vida é ligada a tua por fios invisíveis. Assim prefiro. Fios que não sejam notados. Meu ponto fraco. Minhas notas agudas e graves... retiradas de mim em um só toque. Toque de novo a mesma canção. Aquela que já estamos cansados de ouvir.
O cansaço me faz lembrar que nossos dias são muitos, embora poucos se estendam, poucos se emendam. Fios amarrados e fios a fazer cócegas é assim que será. Meu pescoço enlaçado. Vermelho te chama a atenção. Mas sei que prefere algo como branco. Puro. Leve. Como deveria ser as minhas mãos a tocar algo. Uma sonata para um piano.
Mas não sei tocar nada. Nem ao menos te tocar. Quando toco não sei se devo ser intensa ou preguiçosa. Se te deixo em sono. Me preocupo que durma. Embora queira que durma em meus braços. Embora pense em acordar nos teus. Mas sono assim nessas horas me deixa em agonia. Me deixa mais que inquieta. As horas passam sem que eu sinta. E eu sinto apenas a tua falta.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

velhas virgens


mas - eu - não vou.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

De ontem pra amanhã

Eu fundia o olhar sem quiproquó
só pra ver o começo do avesso
Eu rodava um país numa nuvem só
procurando deitar no teu berço

que eu cansei de me esperar
de me desesperar
de levantar a mão
se eu voltar
eu vou te apegar
eu vou me demorar
pisar o sol no chão
contrair gripe, calor e paixão.

Deixo a alma atrás da porta de manhã
pra esquecer o meu dedo do pé
minha terra se perde nesse afã
pra esquecer de ser o que é

E se diz "parei pra repensar"
Me põe no meu lugar
de lado, embaixo, em vão
e eu voltei
pra carne se acabar
pra alguém me enterrar
pr'eu renascer do chão
que essa história de morrer
num é vida.

Sonho de Ìcaro

"Voar, voar
Subir, subir
Ir por onde for
Descer até o céu cair
Ou mudar de cor
Anjos de gás
Asas de ilusão
E um sonho audaz
Feito um balão...

No ar, no ar
Eu sou assim
Brilho do farol
Além do mais
Amargo fim
Simplesmente sol...

Rock do bom
Ou quem sabe jazz
Som sobre som
Bem mais, bem mais...

O que sai de mim
Vem do prazer
De querer sentir
O que eu não posso ter
O que faz de mim
Ser o que sou
É gostar de ir
Por onde, ninguém for...

Do alto coração
Mais alto coração...

Viver, viver
E não fingir
Esconder no olhar
Pedir não mais
Que permitir
Jogos de azar
Fauno lunar
Sombras no porão
E um show vulgar
Todo verão...

Fugir meu bem
Pra ser feliz
Só no pólo sul
Não vou mudar
Do meu país
Nem vestir azul...

Faça o sinal
Cante uma canção
Sentimental
Em qualquer tom...

Repetir o amor
Já satisfaz
Dentro do bombom
Há um licor a mais
Ir até que um dia
Chegue enfim
Em que o sol derreta
A cera até o fim...

Do alto, coração
Mais alto, coração...

Faça o sinal
Cante uma canção
Sentimental
Em qualquer tom...

Repetir o amor
Já satisfaz
Dentro do bombom
Há um licor a mais
Ir até que um dia
Chegue enfim
Em que o sol derreta
A cera até o fim...

Do alto, o coração
Mais alto, o coração..."

Cláudio Rabello

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Bartleby: O escrivão

"[...] De qualquer forma, ele era de muitas formas uma das pessoas mais valorizáveis para mim e, em todos os momentos precedentes às doze horas meridionais, era uma das criaturas mais rápidas como também das mais firmes. Cumprindo uma grande quantidade de trabalho em um estilo não fácil de ser imitado. Por essas razões eu estava disposto a fazer vista grossa às suas excentricidades, embora ocasionalmente eu de fato tivesse alguma discussão com ele. Feito isso de forma muito sutil, no entanto, pois sendo de grande civilidade, aliás, o mais meigo e reverencial dos homens durante a manhã, durante a tarde tinha grande inclinação, se provocado, a ser um tanto quanto inconsequente com sua língua, insolente, em palavras inteiras. Agora, vendo, como vejo, o valor de seus serviços matinais, e decidido a não perdê-los; ainda que, ao mesmo tempo, sentisse o desconforto de suas maneiras inflamadas pós meio-dia; e sendo eu um homem de paz, despretencioso em minhas admoestações de trazer futuras retrucas de sua parte, decidi-me, de minha parte, em uma tarde de sábado (dia em que ele tornava-se pior) a sugerir a ele, muito gentilmente, que talvez, agora que ele parecia estar envelhecendo, podia ser uma boa idéia diminuir seus serviços, em suma, que ele não precisava vir às minhas câmaras, e após a refeição, poderia descansar até a hora do chá. Mas não. Ele insistiu em suas tarefas. Seu semblante tornou-se intoleravelmente vívido quando assegurou-me, de forma articulada - gesticulando com uma longa régua do outro lado da sala - que se seus serviços eram úteis durante a manhã, quão indispensáveis não seriam durante a tarde?[...]"

Herman Melville

terça-feira, 12 de janeiro de 2010


...É uma boa promessa.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Idioteca II

Aqueles anjos que tocam trombetas,
eles vão sentar no sol
e tocarão todo o repertório do sagrado e do pagão.

Aquela rosa que nasceu no asfalto
imaginava que o jardim a seguiria
e não apenas o olhar do poeta
ela morrerá sozinha.

não é que meu passo seja largo
é que eu não piso nas rachaduras da calçada
eu não tenho pressa de chegar
eu nem queria ir.

A banda vai passar.
Uma centena de soldados de chumbo
subindo a rua que atravessa o canal.
batendo baquetas imaginárias
acordando todo o bairro residencial.
A lona vermelha vai ser armada na avenida
ocupando o cruzamento,
com os braços da mulher barbada, a boa vontade dos siameses e os olhos do buldogue perneta.
A entrada é cobrada em cruzeiros
o show é improvisado
e as fotografias devem ser tiradas sempre em preto e branco e sérias feições.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Este é...

...um trecho do que pretende ainda continuar andando, convido e agradeço a quem quiser caminhar junto. =)

Quantos nomes de barcos não naufragados você é capaz de listar? Faz algum tempo que tenho navegado por aqui e me pergunto se um dia alguém irá mover águas para buscar algum tesouro que, por acaso do meu presente futuro, eu possa vir a guardar. Alimento-me de estórias, histórias e lembranças. Minhas, suas, dos que me guiam. Do que encontro e do que vou de encontro à. Há arranha - céus sob mim e, sob eles, casas, e sob as casas, ao redor e dentro e entre as casas e arranha - céus, pessoas. Há pessoas sobre mim e sobre as ruas que estão sob as casas. Há pessoas em cada poro dessa terra. Ouvi dizer que sempre haverão pessoas onde houver vida e se não houver vida, pessoas trarão pessoas. Por um tempo, senti o toque da água logo aqui embaixo mim. Deslizando por minha barriga e me fazendo cócegas, mas aprendi a voar antes que ,como todos o outros barcos, eu me tornasse insensível. O tempo cobrou a razoável quantia de um ano para preparar-me para o vôo, muitas páginas aconselharam com o que sabiam e na maioria das vezes, sabiam apenas as outras páginas que deveriam saber de verdade. Todos os princípios importantes da aerodinâmica foram postos à prova e à prática. O pensamento positivo, a lembrança feliz, a magia do natal e, claro, os balões coloridos de hélio. E fizemos questão que de todos os três trilhões, setecentos e catorze balões, nenhum possuísse uma cor repetida, para garantir que o vôo não seria prejudicado pela ausência de tonalidades. O pensamento feliz parecia suficiente para me tirar do mar, mas não para manter-me nas nuvens. A essa altura dos estudos, quase toda atual tripulação estava presente, cada um com suas razões, poesias, fugas, curiosidade e loucura. Mas o capitão ainda não tinha o quepe, que dá todo esse charme ao capitão, seu quepe mágico. No dia do meu primeiro vôo, ele veio a tornar o mar umas três gotas mais salgado, mais profundo, mas não foi o único de olhar alterado. Chamo-me Esperanza e nem sempre uso a correta colocação pronominal. Tenho esse nome não escrito, mas colado em meu casco, com letras feitas de papel de jornais, revistas e de uns posters de cinema antigos. Esperanza com os olhos da Audrey Hepburn no “z”.

No samba...

...a nêga é uma ingrata
a Rita é uma puta
Eu, você
e o guarda
moramos na favela.
A felicidade é um carteiro
e a saudade é um cunhado mexendo na geladeira.

Plastic Hearts

"Economistas anuciam a privatização do amor", correção: admitem. "Corações partidos rendem numerosas edições"... e lucrativas. Já não me bastava a industria da arte. Agora isso.

"O amor tornou-se uma instituição mamãe.

Foi dividido em pedacinhos e distribuído aos acionistas em doses alopáticas de mulheres registradoras.
Hoje é carregado dentro de corações de polietileno e precisa de campanhas publicitárias.
Eu não adoto nem uma medida,
imagine uma criança.
Eu não tenho capital para um amor verdadeiro,
nem se faz mais amor como antigamente.
Mas quem sabe amanhã na feira
a gente não compra uma bicicleta e um coração roubado?"

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Farrapo

Eu já me cortei com caco de telha
com caco de vidro
e posso garantir que o caco de gente me foi mais doído.

Radioréi


...e isso é tudo que eu tenho a dizer sobre isso.

Vagabundo Não É Fácil

"Se eu não tivesse com afta até faria uma serenata pra ela. Que veio cair de morar em cima da minha janela.

De cima, deitada, acordada, sentada na cama, espantando os mosquitos.
enquanto eu faço um remédio pra minha cabeça.

Misturando mel de abelha, com bicarbonato de sódio. Só pra deixar a garganta em dia, cobrindo sua surdez e porque já somos pessoas sem ódio.

E no mais, tudo na mais perfeita paz. Sendo que eu assumo isso mesmo quando se diz que já acabou, ainda quero morrer de amor.

Vá, se arranque da minha janela, assim a tomar a frente do sol, tá pensando que tudo é futebol?

Ao menos leve uma certeza, você me deixa doído. Mas só não me deixará doido, porque isso, isso eu já sou."

Morais Moreira

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Infância

E quando o vento passar
não baixem a cabeça
porque ele sempre traz uma nuvem
ou outra.
Então guardem silêncio
isso, fechem os olhos.
Porque deve haver respeito.

E iguinho, por favor.
Tire as mãos dos bolsos.