domingo, 31 de janeiro de 2010

Polietileno

Fora desse ar
nós vamos e nos assustamos
com tudo que irá ser.
Sacolas plásticas carregam meus sonhos
com mais tato do que um terceiro ou quarto vento.

Se eu tiver um medo
eu vou lá e te chamo.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Arpejo

O meu arpejo me cercou. O agora em notas que me envolvem e me tocam em acordes que me envergonham. É voz em tom suave que chega perto do ouvido. Eu a ouvir os teus cantos. Se me enlaço em teus braços é pra não cair em prantos.
A minha vida é ligada a tua por fios invisíveis. Assim prefiro. Fios que não sejam notados. Meu ponto fraco. Minhas notas agudas e graves... retiradas de mim em um só toque. Toque de novo a mesma canção. Aquela que já estamos cansados de ouvir.
O cansaço me faz lembrar que nossos dias são muitos, embora poucos se estendam, poucos se emendam. Fios amarrados e fios a fazer cócegas é assim que será. Meu pescoço enlaçado. Vermelho te chama a atenção. Mas sei que prefere algo como branco. Puro. Leve. Como deveria ser as minhas mãos a tocar algo. Uma sonata para um piano.
Mas não sei tocar nada. Nem ao menos te tocar. Quando toco não sei se devo ser intensa ou preguiçosa. Se te deixo em sono. Me preocupo que durma. Embora queira que durma em meus braços. Embora pense em acordar nos teus. Mas sono assim nessas horas me deixa em agonia. Me deixa mais que inquieta. As horas passam sem que eu sinta. E eu sinto apenas a tua falta.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

velhas virgens


mas - eu - não vou.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

De ontem pra amanhã

Eu fundia o olhar sem quiproquó
só pra ver o começo do avesso
Eu rodava um país numa nuvem só
procurando deitar no teu berço

que eu cansei de me esperar
de me desesperar
de levantar a mão
se eu voltar
eu vou te apegar
eu vou me demorar
pisar o sol no chão
contrair gripe, calor e paixão.

Deixo a alma atrás da porta de manhã
pra esquecer o meu dedo do pé
minha terra se perde nesse afã
pra esquecer de ser o que é

E se diz "parei pra repensar"
Me põe no meu lugar
de lado, embaixo, em vão
e eu voltei
pra carne se acabar
pra alguém me enterrar
pr'eu renascer do chão
que essa história de morrer
num é vida.

Sonho de Ìcaro

"Voar, voar
Subir, subir
Ir por onde for
Descer até o céu cair
Ou mudar de cor
Anjos de gás
Asas de ilusão
E um sonho audaz
Feito um balão...

No ar, no ar
Eu sou assim
Brilho do farol
Além do mais
Amargo fim
Simplesmente sol...

Rock do bom
Ou quem sabe jazz
Som sobre som
Bem mais, bem mais...

O que sai de mim
Vem do prazer
De querer sentir
O que eu não posso ter
O que faz de mim
Ser o que sou
É gostar de ir
Por onde, ninguém for...

Do alto coração
Mais alto coração...

Viver, viver
E não fingir
Esconder no olhar
Pedir não mais
Que permitir
Jogos de azar
Fauno lunar
Sombras no porão
E um show vulgar
Todo verão...

Fugir meu bem
Pra ser feliz
Só no pólo sul
Não vou mudar
Do meu país
Nem vestir azul...

Faça o sinal
Cante uma canção
Sentimental
Em qualquer tom...

Repetir o amor
Já satisfaz
Dentro do bombom
Há um licor a mais
Ir até que um dia
Chegue enfim
Em que o sol derreta
A cera até o fim...

Do alto, coração
Mais alto, coração...

Faça o sinal
Cante uma canção
Sentimental
Em qualquer tom...

Repetir o amor
Já satisfaz
Dentro do bombom
Há um licor a mais
Ir até que um dia
Chegue enfim
Em que o sol derreta
A cera até o fim...

Do alto, o coração
Mais alto, o coração..."

Cláudio Rabello

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Bartleby: O escrivão

"[...] De qualquer forma, ele era de muitas formas uma das pessoas mais valorizáveis para mim e, em todos os momentos precedentes às doze horas meridionais, era uma das criaturas mais rápidas como também das mais firmes. Cumprindo uma grande quantidade de trabalho em um estilo não fácil de ser imitado. Por essas razões eu estava disposto a fazer vista grossa às suas excentricidades, embora ocasionalmente eu de fato tivesse alguma discussão com ele. Feito isso de forma muito sutil, no entanto, pois sendo de grande civilidade, aliás, o mais meigo e reverencial dos homens durante a manhã, durante a tarde tinha grande inclinação, se provocado, a ser um tanto quanto inconsequente com sua língua, insolente, em palavras inteiras. Agora, vendo, como vejo, o valor de seus serviços matinais, e decidido a não perdê-los; ainda que, ao mesmo tempo, sentisse o desconforto de suas maneiras inflamadas pós meio-dia; e sendo eu um homem de paz, despretencioso em minhas admoestações de trazer futuras retrucas de sua parte, decidi-me, de minha parte, em uma tarde de sábado (dia em que ele tornava-se pior) a sugerir a ele, muito gentilmente, que talvez, agora que ele parecia estar envelhecendo, podia ser uma boa idéia diminuir seus serviços, em suma, que ele não precisava vir às minhas câmaras, e após a refeição, poderia descansar até a hora do chá. Mas não. Ele insistiu em suas tarefas. Seu semblante tornou-se intoleravelmente vívido quando assegurou-me, de forma articulada - gesticulando com uma longa régua do outro lado da sala - que se seus serviços eram úteis durante a manhã, quão indispensáveis não seriam durante a tarde?[...]"

Herman Melville

terça-feira, 12 de janeiro de 2010


...É uma boa promessa.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Idioteca II

Aqueles anjos que tocam trombetas,
eles vão sentar no sol
e tocarão todo o repertório do sagrado e do pagão.

Aquela rosa que nasceu no asfalto
imaginava que o jardim a seguiria
e não apenas o olhar do poeta
ela morrerá sozinha.

não é que meu passo seja largo
é que eu não piso nas rachaduras da calçada
eu não tenho pressa de chegar
eu nem queria ir.

A banda vai passar.
Uma centena de soldados de chumbo
subindo a rua que atravessa o canal.
batendo baquetas imaginárias
acordando todo o bairro residencial.
A lona vermelha vai ser armada na avenida
ocupando o cruzamento,
com os braços da mulher barbada, a boa vontade dos siameses e os olhos do buldogue perneta.
A entrada é cobrada em cruzeiros
o show é improvisado
e as fotografias devem ser tiradas sempre em preto e branco e sérias feições.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Este é...

...um trecho do que pretende ainda continuar andando, convido e agradeço a quem quiser caminhar junto. =)

Quantos nomes de barcos não naufragados você é capaz de listar? Faz algum tempo que tenho navegado por aqui e me pergunto se um dia alguém irá mover águas para buscar algum tesouro que, por acaso do meu presente futuro, eu possa vir a guardar. Alimento-me de estórias, histórias e lembranças. Minhas, suas, dos que me guiam. Do que encontro e do que vou de encontro à. Há arranha - céus sob mim e, sob eles, casas, e sob as casas, ao redor e dentro e entre as casas e arranha - céus, pessoas. Há pessoas sobre mim e sobre as ruas que estão sob as casas. Há pessoas em cada poro dessa terra. Ouvi dizer que sempre haverão pessoas onde houver vida e se não houver vida, pessoas trarão pessoas. Por um tempo, senti o toque da água logo aqui embaixo mim. Deslizando por minha barriga e me fazendo cócegas, mas aprendi a voar antes que ,como todos o outros barcos, eu me tornasse insensível. O tempo cobrou a razoável quantia de um ano para preparar-me para o vôo, muitas páginas aconselharam com o que sabiam e na maioria das vezes, sabiam apenas as outras páginas que deveriam saber de verdade. Todos os princípios importantes da aerodinâmica foram postos à prova e à prática. O pensamento positivo, a lembrança feliz, a magia do natal e, claro, os balões coloridos de hélio. E fizemos questão que de todos os três trilhões, setecentos e catorze balões, nenhum possuísse uma cor repetida, para garantir que o vôo não seria prejudicado pela ausência de tonalidades. O pensamento feliz parecia suficiente para me tirar do mar, mas não para manter-me nas nuvens. A essa altura dos estudos, quase toda atual tripulação estava presente, cada um com suas razões, poesias, fugas, curiosidade e loucura. Mas o capitão ainda não tinha o quepe, que dá todo esse charme ao capitão, seu quepe mágico. No dia do meu primeiro vôo, ele veio a tornar o mar umas três gotas mais salgado, mais profundo, mas não foi o único de olhar alterado. Chamo-me Esperanza e nem sempre uso a correta colocação pronominal. Tenho esse nome não escrito, mas colado em meu casco, com letras feitas de papel de jornais, revistas e de uns posters de cinema antigos. Esperanza com os olhos da Audrey Hepburn no “z”.

No samba...

...a nêga é uma ingrata
a Rita é uma puta
Eu, você
e o guarda
moramos na favela.
A felicidade é um carteiro
e a saudade é um cunhado mexendo na geladeira.

Plastic Hearts

"Economistas anuciam a privatização do amor", correção: admitem. "Corações partidos rendem numerosas edições"... e lucrativas. Já não me bastava a industria da arte. Agora isso.

"O amor tornou-se uma instituição mamãe.

Foi dividido em pedacinhos e distribuído aos acionistas em doses alopáticas de mulheres registradoras.
Hoje é carregado dentro de corações de polietileno e precisa de campanhas publicitárias.
Eu não adoto nem uma medida,
imagine uma criança.
Eu não tenho capital para um amor verdadeiro,
nem se faz mais amor como antigamente.
Mas quem sabe amanhã na feira
a gente não compra uma bicicleta e um coração roubado?"

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Farrapo

Eu já me cortei com caco de telha
com caco de vidro
e posso garantir que o caco de gente me foi mais doído.

Radioréi


...e isso é tudo que eu tenho a dizer sobre isso.

Vagabundo Não É Fácil

"Se eu não tivesse com afta até faria uma serenata pra ela. Que veio cair de morar em cima da minha janela.

De cima, deitada, acordada, sentada na cama, espantando os mosquitos.
enquanto eu faço um remédio pra minha cabeça.

Misturando mel de abelha, com bicarbonato de sódio. Só pra deixar a garganta em dia, cobrindo sua surdez e porque já somos pessoas sem ódio.

E no mais, tudo na mais perfeita paz. Sendo que eu assumo isso mesmo quando se diz que já acabou, ainda quero morrer de amor.

Vá, se arranque da minha janela, assim a tomar a frente do sol, tá pensando que tudo é futebol?

Ao menos leve uma certeza, você me deixa doído. Mas só não me deixará doido, porque isso, isso eu já sou."

Morais Moreira

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Infância

E quando o vento passar
não baixem a cabeça
porque ele sempre traz uma nuvem
ou outra.
Então guardem silêncio
isso, fechem os olhos.
Porque deve haver respeito.

E iguinho, por favor.
Tire as mãos dos bolsos.