segunda-feira, 27 de abril de 2009

Cadáver não Janta

Peso demais na consciência. Peso maior ainda no estômago. Pálido, fraco... São apenas sintomas da culpa. Isso vai passar. Você acha que eu estou bem? Olha aqui! Quilos e quilos de lipídios armazenados. Olha para mim, porque eu não vou me olhar no espelho. O meu rosto incomoda. A cicatriz do meu rosto deforma. Eu não sou perfeito.

Olha bem essa mulher do catálogo. Ela é melhor do que eu? Eles a elogiam e me criticam. Falam que eu não sou tão bom como ela. Meus irmãos têm vergonha, meus pais se preocupam. Quando espalho as folhas no prato engolindo com dificuldade...
Não se preocupe porque eu vou colocar para fora. Tudo o que entra tem que sair na medida exata, tudo pesado na balança. Três vezes por dia. Sete vezes na semana. Setenta e sete vezes sete a mais de prejuízo a cada prato e menos tempo de vida. Três pratos por dia são muitos radicais livres, oxidação e envelhecimento. Setenta por cento a mais de rugas. Setenta vezes em um corpo com capacidade setecentas vezes menor para suportar algo mais. Mas o gosto dos doces me excita...

Comprar pela internet evita que todos me vejam. Eu estou gastando mais algum dinheiro com algo a mais. Banalidade. Remédios para emagrecer. Remédios para esquecer. Sem médicos para me analisar. Ninguém para me julgar, no meu lugar.
No meu quarto, esquecido com as minhas loucuras e mentiras. Patético, com o gosto de vômito na boca e muitas estrias. Um homem com seios. Um homem com medo, com uma faca na mão. Para consertar o erro, por dentro e por fora, em frente ao espelho. Médico ou cobaia. Um corpo em degeneração interior. Falta de nutrientes. Corroendo como vermes. A procura de digerir a minha alma, órgãos, desejos. Deixar-me feito cadáver ambulante, débil e sem beleza alguma.

domingo, 26 de abril de 2009

Terapia Assalariada

Afogado na vida corriqueira e monótona. Controvérsia? A cada minuto contado uma nota assinada. Um papel amassado, com seu telefone. Você já não atende mais. Eu sigo minhas ordens e você segue as dele. Não se aproxime de mim. Não me iluda! Antes você estava comigo. Você esta certa, pessoas não são propriedades privadas. Conceito errado da minha parte. A ganância é um péssimo hábito. Mas podia ter mandado um recado, podia ter terminado algo, se isso existia. Ficou despercebido. Com a mente ocupada. Pensar nele não deixa espaço.

Mais um ponto importante a ser comentado. A beleza do frasco não compensa a fragrância intolerável. Doce demais para amar. Sempre organizado demais. Limpo, para não deixar rastros. Para você não descobrir o meu ponto fraco. Para eu não rever meu passado. Mantendo a mente ocupada. Terapia assalariada para problemas acumulados. Importada com meus carros e amores falsos. Minha querida verá quando estiver almoçando. No jornal falarão da minha vida brilhante, depois das notícias trágicas. Espero que ainda tenha estômago para ver. Cuidado para não engasgar. Quando lembrar de tudo que passamos. Tudo bem. A gente tem que se conformar com amores não correspondidos. Deixados pela metade. Temos uma vida nova agora. O novo com cara de velho. E o que sinto enterrado na alma.

Eu achava melhor não voltar para casa. Com dinheiro temos amores profissionais. O suficiente para enganar o meu ego. O suficiente para me fazer acreditar que era amado. E se fosse pouco o tempo teria mais dinheiro para prolongar o caso. O exemplo de uma pessoa bem sucedida com um casamento aos pedaços. Fale mais baixo para que ninguém possa entrar na minha vida. A sua eu já tinha visto nas cartas. O seu nome e o dele se combinavam... Já tinha procurado nos astros uma maneira de mudar este quadro. Mas as estrelas estão tão longes, não acha?

Você está chorando? Não, meu amor; estou sorrindo. Você não fica impressionado com a maneira com que a vida se desenrola? Estou apenas emocionado com isso. Tão entretido com a história que até esqueci que homem não chora...
Cansado de esperar que Deus mande uma brisa para fazer secar as lágrimas. Na minha concepção faz tempo que por aqui não venta.

E pensar que eu poderia me apaixonar por um cara. Tão diferentes pelo jeito e ao mesmo tempo tão iguais pelo sexo. O mais engraçado é que tem algo nele que até hoje me intriga. Como se eu pudesse resgatar o que havia perdido na vida. A vida dele, eu também tenho visto nas cartas. Mais dois nomes se combinavam... Mas onde está o meu nome? Não quis procurar nos astros uma maneira de mudar este quadro. Você está mais feliz agora. Ele está mais feliz agora. Se combinando sem mim. É isso que importa. De certa forma, acho que estava numa crise de abstinência causada pela solidão. Você foi minha droga. Curou minha dor. Mas depois do efeito... Talvez a crise venha mais forte e me faça chorar num momento. E depois de um tempo não a mais que vazio e a leve impressão de que isso existiu. Como em outras vezes. A vida dá voltas. Outra vida sugada. Outro amor roubado. Crise dessas que vem e que vão. A gente tem que se conformar com amores não correspondidos, não é? Amores deixados pela metade. Temos uma vida nova agora. O novo com cara de velho. E as suas fotos bem guardadas na estante.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

"não sou eu, eu estou fingindo"

Me é estranha essa sensação de valha-me deus pela manhã, essa impressão de tá tudo errado, vontade de puta que pariu. Um permanente frio na espinha, nos olhares e nos falares, talvez até nos sentires. Não sei. Não sei porque não olho e se não olho não vejo, não paro. Tenho as próximas dez, oito horas até voltar pra cama. Chove lá fora, aqui dentro eu tento aquecer minhas costas por causa do frio, da febre, do medo. Já nem sei mais quantas vezes me joguei na cama, caminhei à sala, abri a geladeira ou desliguei a TV. Já fui ao telefone algumas vezes, sentei, olhei, disquei e desisti. Já olhei o número deles, pensei no dela, nela. Penso muito nela, bem e mal, mais mal, é verdade, eu tenho esses problemas. Só hoje ela já me traiu com três, de várias formas, em várias situações, das disconfianças à minha imaginação e à minha paranóia. Eu me entristeço e me entrego. Eu devia ligar, mas posso ser chato.

Releio
coisas. Tudo é sempre novidade, embora cada frase e cada assunto traga em si um cansaso de deja vu e, muito embora haja isso tudo ainda não lido, ainda passeio mesmo por essas páginas já vistas, revistas, romances, cartas, Woolf's, Mann's, Sartre's...

Há sempre música na minha solidão, talvez por isso ela pareça menos só, talvez até explique por momentos o frio na minha espinha. Porque quando imagino mundos no meu teto branco, há sempre uma voz a me invadir e me tirar das tragédias que eu mesmo criei. Ela hoje já me traiu com quatro. Eu vi no meu teto. Branco. Mas quando seus suspiros se misturam com palavras de Marshall, Harvey, Curtis, Calcanhoto, tudo parece perder o sentido. A música é o caos que cria em nós. De acorde em momento e em emoção eu atravesso muito da minha solidão dançando como ninguém poderia ver, antes de ligar a tevê.

"oh, come on child, in a crossbones style"

Há muito o que ler na minha estante, muito o que lavar na minha pia, muito o que varrer dos meus cantos e há até o que curar no meu corpo, mas há um mundo lá fora por dentro da Televisão.

Não, não é aqui que eu escrevo, também há muito o que escrever, mas tenho tanta música, tanta palavra, tanta tragédia a imaginar. Eu ainda tenho alguns minutos de solidão. Para escrever me basta tinta e papel. Para ficar só me exige muita fuga da solidão. Não, não é aqui que eu escrevo. Porque a porta abriu. Porque o mundo entrou me contando de violência, realidade, de absurdas tragédias que eu não conseguiria imaginar. Agora não sou eu, estou apenas fingindo, porque ainda tenho em meus cabelos uns brilhos de sonho a serem enxaguados, porque meus ouvidos ainda pedem pela música e meus olhos que apaguem a luz. Mas o dia acabou, é preciso viver por ao menos uns trinta e dois minutos e esperar tudo parar, da música, pelas tragédias até a realidade, tudo parar. Agora, pela janela eu passeio da luz estática do poste na avenida à nuvem antártica da nuvem de chuva anunciada, eu tenho cá minhas antenas de estimação apontando tensas contra o peso escuro do céu e minhas árvores de inspiração, a música não é mais do que o que trago na memória e o que escrevo não é mais do que a lembrança de uma outra solidão.

Meu desejo

Lembranças esquecidas. Memórias ao vento. Um beijo perdido. Um abraço desperdiçado. Uma boca vazia. Palavras perdidas. Felicidade contida. Olhares desencontrados. Abraços desperdiçados. Memórias ao vento. Uma palavra não dita. Esquecida. Pensamentos e lembranças. Junto com você. Comigo. Ambos perdidos vagamos. Onde o nada faz o maior sentido. Junto com você. Comigo. Ambos encontramos o vazio da nossa solidão compartilhada. Onde beijos não significam amor. Onde o passado não nos pertence. Não pertence a ninguém mais. Tudo o que se foi não será mais lembrado. Por mim. Por você. Por alguém. Existirá alguém entre nós? Junto com você? Comigo? Não existe ninguém além de nós. Encantadoramente ilusório. Não me desperte antes do meu adeus.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Para não esquecer que existo...

Para não esquecer que existo
coloco entre todos os registros
charadas e adivinhações, simultaneamente
para estimular minha óbvia mente
que não sou um abstrato, nem um traço.

Vejo todos a minha volta,
me assusto com tamanha reviravolta
tudo rabiscado, nenhum espaço
para qualquer aconchego.
me enxergo e vejo:
- há de outros em mim.

Procuro num redemoinho de notas,
anotações e contas indefinidas,
por onde anda minha vida.
Os registros e charadas,
cheios de letras por cima,
em nada me encaixa.

Me confundo e realizo:
- será que me perdi no impreciso?

terça-feira, 14 de abril de 2009

Banho de chuva

O rosto de traços infantis contrastava com o batom vermelho e com a maquiagem pesada. Tinha apenas treze anos, mas tivera que se tornar mulher. A mãe morrera cedo. Do pai não sabia nem o nome. Talvez, nem a mãe soubesse. O espelho rachado dividia seu rosto. A roupa justa incomodava. Não o bastante para pensar em trocá-la. O suficiente para que percebessem.
A pia entupia. A água escorria. Molhava seus pés. Sentia-se suja. Restara pouco dinheiro no bolso e muitas lembranças da noite anterior. A pele arranhada. O cheiro de sexo. Marcas pelo corpo. Olhos grandes, assustados. Sorria. Esforçava-se para encobrir o seu fracasso com seus dentes amarelos. Decadência estampada em lágrimas. Sua infantilidade violada por estranhos. Engolia os soluços.
“Sorria! Mostre simpatia! Seja Gentil! Minta sempre que precisar, mas nunca diga que está triste. Não decepcione. Não preocupe os outros...”
A quem preocuparia? Não existia alguém nem para esquecê-la. Ninguém se preocuparia com a falta de bonecas na sua estante. Bonecas sempre tinham conserto. Quando rasgavam, sua mãe costurava. Colocava a perna de volta. Comprava olhos novos. Ela não sabia como consertar sua vida. Já era crescidinha. Não poderia chorar, nem ter medo. Precisava fazer tudo direitinho. Precisava se comportar como uma mulher. Uma menina não alimentaria seu estomago. Não deveria sentir pena de si mesma. Draminhas não resultariam em nada.
Sua vida já havia escorrido em tantos ralos, em banheiros públicos, em banheiros desconhecidos, em mármore, em cimento, nos braços de enfermeiras, nos braços de mendigos... Preenchia-se com uma sensação de perda. O corpo para quem pudesse pagar. As roupas emprestadas. Os sorrisos falsos. O dinheiro não duraria muito tempo. Seu tempo não duraria muito. A maquiagem sairia. O cabelo cairia. A beleza escorreria como sua vida. Restariam para ela ilusões. Sonhos de criança. O cheiro dos doces nas lojas. O banho de chuva. As bonecas nos braços das meninas. O balanço enferrujado na praça que trabalhava. Tolices de criança. O desejo contido da infância.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Enquanto isso...

desenterrando um pouco.

...Nos campos pós-guerra
- Parou, parou...
O serviço pára.
- Senhor, devemos separar os negros do resto?
- Sei lá, faz alguma diferença quando queimar?
- Não sei, não, Senhor.
- Bom, então cava um outro buraco ali e...

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Tempo, tempo, tempo...

perco tempo ao ficar
ao partir
ao lutar

perco tempo ao sonhar
ao iludir
ao acreditar

perco tempo me medindo
me partindo
não usufruindo

perco tempo no ir
no voltar
no expandir

perco tempo não explicando
não acalmando
não amando

perco tempo não encontrando
não entendendo
não vivendo

quanto tempo ainda me resta?


[10.08.2008]

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Nem mesmo preso

Eu abaixarei meus óculos.
Eu me dedicarei à casas
se as coisas criarem vida.
Eu vou subtrair a dor aos poucos
é, eu vou até pintar casas
se as coisas criarem vida.

Eu prometo não cometer nenhum ato de violência
seja ele físico ou de outra forma,
se as coisas criarem vida.

Eu digo agora
digo agora
pois eu quero agora.

quanto personalidade torna-se uma marca de cicatriz
e parte para longe por desuso
sou sutil como a jaula de um leão
um demonstrar tão cuidadoso
lembre-se de aproveitar o seu tempo aqui
dê algum sentido aos seus meios
aos seus fins.

nem mesmo preso.

nós teremos tudo nos dias de desejo
nós vacilaremos como filhos de qualquer um
e consentiremos frente ao fogo.

Eu estou me perdendo nesse cuidado
sem trair nenhum outro sintoma
mas, menina, você tem o jeito.

vamos nos chocar num momento de silêncio
vamos vadiar pelas batidas da ciência
e, garota, você tem o jeito.

Mantenha-se assim, querida
seu cabelo é tão bonito.
dá pra sentir o calor da minha sinceridade?
Você muda tudo quando chora
você está fazendo a vida das pessoas parecer menos privada
não fique longe nenhum instante
você muda tudo quando chora.

nós todos seguramos nossas mãos
podemos segurar nossas mãos
quando fazemos novos planos?

eu finjo como ninguém tentar me controlar
sou sutil como a jaula de um leão
um demonstrar tão cuidadoso
lembre-se de aproveitar o seu tempo aqui
dê algum sentido aos seus meios
aos seus fins

nem mesmo preso.

Paul Banks