terça-feira, 14 de abril de 2009

Banho de chuva

O rosto de traços infantis contrastava com o batom vermelho e com a maquiagem pesada. Tinha apenas treze anos, mas tivera que se tornar mulher. A mãe morrera cedo. Do pai não sabia nem o nome. Talvez, nem a mãe soubesse. O espelho rachado dividia seu rosto. A roupa justa incomodava. Não o bastante para pensar em trocá-la. O suficiente para que percebessem.
A pia entupia. A água escorria. Molhava seus pés. Sentia-se suja. Restara pouco dinheiro no bolso e muitas lembranças da noite anterior. A pele arranhada. O cheiro de sexo. Marcas pelo corpo. Olhos grandes, assustados. Sorria. Esforçava-se para encobrir o seu fracasso com seus dentes amarelos. Decadência estampada em lágrimas. Sua infantilidade violada por estranhos. Engolia os soluços.
“Sorria! Mostre simpatia! Seja Gentil! Minta sempre que precisar, mas nunca diga que está triste. Não decepcione. Não preocupe os outros...”
A quem preocuparia? Não existia alguém nem para esquecê-la. Ninguém se preocuparia com a falta de bonecas na sua estante. Bonecas sempre tinham conserto. Quando rasgavam, sua mãe costurava. Colocava a perna de volta. Comprava olhos novos. Ela não sabia como consertar sua vida. Já era crescidinha. Não poderia chorar, nem ter medo. Precisava fazer tudo direitinho. Precisava se comportar como uma mulher. Uma menina não alimentaria seu estomago. Não deveria sentir pena de si mesma. Draminhas não resultariam em nada.
Sua vida já havia escorrido em tantos ralos, em banheiros públicos, em banheiros desconhecidos, em mármore, em cimento, nos braços de enfermeiras, nos braços de mendigos... Preenchia-se com uma sensação de perda. O corpo para quem pudesse pagar. As roupas emprestadas. Os sorrisos falsos. O dinheiro não duraria muito tempo. Seu tempo não duraria muito. A maquiagem sairia. O cabelo cairia. A beleza escorreria como sua vida. Restariam para ela ilusões. Sonhos de criança. O cheiro dos doces nas lojas. O banho de chuva. As bonecas nos braços das meninas. O balanço enferrujado na praça que trabalhava. Tolices de criança. O desejo contido da infância.

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