quinta-feira, 23 de abril de 2009

"não sou eu, eu estou fingindo"

Me é estranha essa sensação de valha-me deus pela manhã, essa impressão de tá tudo errado, vontade de puta que pariu. Um permanente frio na espinha, nos olhares e nos falares, talvez até nos sentires. Não sei. Não sei porque não olho e se não olho não vejo, não paro. Tenho as próximas dez, oito horas até voltar pra cama. Chove lá fora, aqui dentro eu tento aquecer minhas costas por causa do frio, da febre, do medo. Já nem sei mais quantas vezes me joguei na cama, caminhei à sala, abri a geladeira ou desliguei a TV. Já fui ao telefone algumas vezes, sentei, olhei, disquei e desisti. Já olhei o número deles, pensei no dela, nela. Penso muito nela, bem e mal, mais mal, é verdade, eu tenho esses problemas. Só hoje ela já me traiu com três, de várias formas, em várias situações, das disconfianças à minha imaginação e à minha paranóia. Eu me entristeço e me entrego. Eu devia ligar, mas posso ser chato.

Releio
coisas. Tudo é sempre novidade, embora cada frase e cada assunto traga em si um cansaso de deja vu e, muito embora haja isso tudo ainda não lido, ainda passeio mesmo por essas páginas já vistas, revistas, romances, cartas, Woolf's, Mann's, Sartre's...

Há sempre música na minha solidão, talvez por isso ela pareça menos só, talvez até explique por momentos o frio na minha espinha. Porque quando imagino mundos no meu teto branco, há sempre uma voz a me invadir e me tirar das tragédias que eu mesmo criei. Ela hoje já me traiu com quatro. Eu vi no meu teto. Branco. Mas quando seus suspiros se misturam com palavras de Marshall, Harvey, Curtis, Calcanhoto, tudo parece perder o sentido. A música é o caos que cria em nós. De acorde em momento e em emoção eu atravesso muito da minha solidão dançando como ninguém poderia ver, antes de ligar a tevê.

"oh, come on child, in a crossbones style"

Há muito o que ler na minha estante, muito o que lavar na minha pia, muito o que varrer dos meus cantos e há até o que curar no meu corpo, mas há um mundo lá fora por dentro da Televisão.

Não, não é aqui que eu escrevo, também há muito o que escrever, mas tenho tanta música, tanta palavra, tanta tragédia a imaginar. Eu ainda tenho alguns minutos de solidão. Para escrever me basta tinta e papel. Para ficar só me exige muita fuga da solidão. Não, não é aqui que eu escrevo. Porque a porta abriu. Porque o mundo entrou me contando de violência, realidade, de absurdas tragédias que eu não conseguiria imaginar. Agora não sou eu, estou apenas fingindo, porque ainda tenho em meus cabelos uns brilhos de sonho a serem enxaguados, porque meus ouvidos ainda pedem pela música e meus olhos que apaguem a luz. Mas o dia acabou, é preciso viver por ao menos uns trinta e dois minutos e esperar tudo parar, da música, pelas tragédias até a realidade, tudo parar. Agora, pela janela eu passeio da luz estática do poste na avenida à nuvem antártica da nuvem de chuva anunciada, eu tenho cá minhas antenas de estimação apontando tensas contra o peso escuro do céu e minhas árvores de inspiração, a música não é mais do que o que trago na memória e o que escrevo não é mais do que a lembrança de uma outra solidão.

Um comentário:

  1. 'Há sempre música na minha solidão'
    'Para ficar só me exige muita fuga da solidão'

    ...

    há o som do silêncio, há o som de 'ser'..ecoando por dentro.
    fugir da solidão,
    é mais difícil do que invadí-la.
    desafio!

    muito bom, muito.
    tentei comentar aqui as partes que mais gostei!
    não sei se consegui.

    beijos!

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