segunda-feira, 5 de abril de 2010

Madrugada

"Ninguém haveria de dizer que eu estava no caminho certo. Ninguém me estenderia a mão, essas coisas que costumam costurar, num tom de melodrama, o que rompido foi desde que meteram-me nessa tal lenda dos anos lá naquela madrugada, olha só, lá mesmo, logo aqui, espia!, nessa arquejante química entre carcaças debaixo do edredom que sufoca-, essa coberta a encenar um orgulhoso mármore de lápide. Não, ninguém haveria de abrir seu beneplácito diante de minha queda aqui à beira do rio de férvidos miasmas. Desnecessário dizer: exatamente como em velhas histórias gregas que hoje os doutos clamam de boca cheia como sendo emissárias do tal do "sentimento do trágico", isso mesmo!, quando um personagem se fode sem remédio e assim mesmo vai marchando tal e qual se dirigisse em regozijo a um casamento com suas próprias trevas, marchando para aquele estado só mucosas, em que o macho empurrando-empurrando fecundava a vítima cujas pernas, engatadas em volta do glúteo musculoso do atleta, quiçá até golpeado a bunda do fogoso galo, ah, sedosas e em ligas debruadas sonhavam viver uma relutância difícil de envergar: são pernas? É ela toda, olha!, vertendo-se de sí pra besuntar essa penetração da fera já em vômitos, coitada! É ela, veja!, é a mãe agora já entregue à lassidão, exército de uma mulher só inerme no campo de batalha, embora ainda debaixo dos noventa quilos do pai amordaçado para sempre pelo beijo cravado da megera; é ela já contendo nas entranhas a semente do santo que sim, sou, não nego-,aqui bebendo da água escura desse rio, um cão, um verdadeiro cão para o qual ninguém mais olhará em tom de afago, deixando que o bicho beba até o fim todo o fermentado e morno mijo da cidade..."

João Gilberto Noll

Nenhum comentário:

Postar um comentário