segunda-feira, 5 de abril de 2010

A ordem das coisas II

Os dias iam passando-se um no lugar do outro, porque é assim que os dias passam. Todas as manhãs, como se não houvessem manhãs anteriores, acordava-se com os mesmos problemas e levantava-se com as mesmas decisões e, talvez pela tontura ou pela temperatura da água ou pelo volume da música, fazia tudo diferente. Igual ao dia anterior, ainda que esse dia não exista. No máximo, vinte e quatro horas esmagadas por outras vinte e quatro horas fatidicamente parecidas.
Foi numa dessas madrugadas claras e às claras que Caio e Hilda e Thomas o ensinaram que o amor pode sim ser conjugado no presente simples (e portanto, em qualquer simples presente), se for feito isso com mais que a boca aberta. Assim, em si e a dois, ele e o dia se encerraram no ponto em que a terra decidira dar outra volta.

Foi o abraço mais sincero do último ano.
- Eu escolho você, amor. Não porque nos unimos nem porque nos opomos. Só porque nos misturamos. Eu escolho você não porque preciso, não porque quero ou porque eu posso, não. Na verdade, eu não sei. Mas enquanto houverem escolhas, e ainda quando não houverem, nesse restaurante num deserto no fim do mundo, eu deixo seu prato ao meu lado e divido meu sushi com a cadeira vazia, cheia de você. Eu escolho você não porque eu gosto dos seus discos nem porque você gosta dos meus, mas porque tanto uns como os outros estão espalhados pelo quarto e eu não consigo mais dizer se algum dia algum me pertenceu. Você não precisa mais assistir a esses filmes em preto e branco, até porque nunca precisou. Nem precisa ler todos esses Bukowskis nem esses Wildes, ainda que eu saiba que gostaria. Você só precisa intrometer-se na minha vida como se ela fosse sua. Agora me atrevo a dizer que ela o é. Vamos apenas dançar quando nós dois quisermos dançar, mas não façamos questão de nada, como nunca fizemos. Falemos tudo o que tivermos a falar e quando acabarem as palavras eu vou olhar nos teus olhos até o mundo ao redor deles envelhecer, porque eu escolho esses olhos, amor, pro mundo ficar velho ao redor.

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