sexta-feira, 28 de agosto de 2009

trinta primeiros segundos

"Canetas e livros e comida com meus all-star sujos no chão, pois eu não passo de mais uma amálgama numa lata de sardinha, da classe média à periferia, todo dia". Ela penteava os cabelos pensando em escovar os dentes e escovava se perguntando se era como a TV tinha ensinado. Se os cabelos já estivessem o mais possivelmente à moda de Hitler, ela podia abandonar o apartamento. "se ele pegasse fogo eu perderia... as pessoas sentiriam pena de mim, a dona Dolores... eu iria embora pra longe, talvez fosse para onde coisas acontecem, para onde o mundo já me transformasse no que eu quero ser, sem bienais nunca mais, sem esperar por uma peça, ler sinopses, sem downloads, sem alternativas. Eu saio e não tenho opção se não fazer o que eu gosto, meu próprio mundo stalinista, e se eu quisesse assistir a um blockbuster, me preocuparia em como voltar pra casa depois...não iria...a dona Dolores talvez me desse almoço." Já no primeiro andar, voltava e desligava o gás, olhava a porta sendo trancada por sua chave, tentava guardar a imagem na memória, para não ter que voltar novamente.

As ruas eram claras e frias. A impressão de que todos que perpassam não são nada senão mudos. "Pra onde vai o playboy arrumado senão para o mesmo inferno que eu, se ele não for empregada de cozinha? Será que já fabricam empregados, mas por que o cabelo não está molhado e onde está a sacola? Para onde vai a atendente de telemarketing se ela cruza na direção oposta, se para lá não existem consultórios médicos, odontológicos, publicitários...telefones a se atender? Para onde vão todos esses mudos se deveriam estar indo para onde eu vou, na mesma lata, evitando o mesmo suor? Eles devem ser do futuro, onde eu ainda vou chegar." Continua o mesmo rumo de todos os dias úteis, quando havia pessoas úteis indo para seus lugares misteriosos e desconhecidos, "talvez seitas secretas, escritórios da máfia, escolas sem credenciamento." Aumentava as distancias e diminuia o cansaso, acelerava o passo e perdia a vontade de voltar, perdia a lembrança de como deixara o apartamento, do plano de regressar o mais rápido possível e voltar a dormir, guardava, como ontem, tudo na mesma inconsciencia. "Vou chegar atrasada, direi que tive um acidente, carros batem todo dia, pessoas batem todo dia, estrelas explodem todo dia. Se isso aqui batesse e eu não acho que morreria, iria andando ou esperaria por outra lata com menos sardinhas? Eu não preciso de atestado para acidentes, assaltos, brigas em família, mas talvez ela peça. Eu preciso me fazer um corte, um curativo, um hematoma... talvez precise fingir um choro. Com quem eu brigaria em casa, também justificaria os cortes, senão pelo menos em minha alma, esses eu não preciso fingir, mas esses eu não consigo chorar. Porra, como eu tô atrasada. Oi, tudo bom?" - Oi, cê vai chegar atrasada num vai? "vou sim, me deixa ir, porra agora eu tô mais atrasada... O acidente, não precisa de cortes, posso contar um história inteira, o motorista da frente estava no celular brigando com o empregado da firma porque ele esqueceu da última entrega de ontem a noite, mas eles vão dar um jeito no problema o empregado não vai ser demitido por isso só quando a Joelma esposa dele ficar grávida e ainda vai ser justa-causa o motorista já sabe até o que dizer mas eu não sei ele freia no sinal verde e a gente bate descem todos e eu tenho que esperar a próxima lata com menos sardinhas e por isso cheguei atrasada, pronto é isso" Ela entra na sala
"Bom dia"

- Bom dia

senta, sorri e se cala.

3 comentários:

  1. eu tenho um texto bastante parecido com esse.
    tem um esquete aí né, consigo visualizar tudo, bem legal...

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  2. tem é?
    quero ver o texto...e o esquete xD

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  3. aham, sem problemas...você vai ver :D
    agora...quanto ao esquete...
    'vamos fazer um filme'

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