terça-feira, 20 de outubro de 2009

noir colorido.

Lembrança fotográfica é só o que me resta de tudo que eu faço nessas noites,

afora a náusea, claro.

É coisa de poucos segundos, só mesmo o que não importa. Todas aquelas cabeças por cima dos bancos são só bonecos de teste, mãos movendo-se em flashs, os olhos do anjo na face encardida de deuses. Jogados em pelo menos cinco esquinas. Tudo o que meus olhos viram não é nada comparado ao que minha memória traduz. São tantos horrores e maravilhas, amor. Não gostaria que você estivesse lá. Apenas fique por aqui, apague a luz, aumente o volume e faça amor comigo. Me ouça, meu amor. Me compreenda. Depois me faça sanduíches.

Eu estou aqui pronto para cantar um mundo de irrealidades, minha cabeça cheia, cheia, cheia das mais aterradoras estórias para se contar para os vizinhos e para vocês, mas enquanto isso nossos netinhos estarão lá precisando ouvir os absurdos do real. Apenas por entretenimento. O "seu ninguém" morreu. "nossa", você diz. O "senhor alguém" morreu e isso é apenas entretenimento.

A música é alta e é só o que importa.
porque volume é o que expulsa tudo o que fica preso
nesses all stars
nesses jeans
nesses 98% de algodão penteado.
Nessas cicatrizes.

E é por isso que você não pode me pedir para que eu incomode apenas a mim. Bater a minha porta já é o fim da diplomacia, entre você e eu cavam-se trincheiras atrás de sorrisos. E na minha casa as palavras são disparadas a queima roupa. Eu não baixo o volume nem as armas.

não reconheceria o barulho de tiros se ouvisse.
mas tenho quase certeza que meus vizinhos são baleados
toda semana.

Uma muito boa noite a todos, eu lhes trago lágrimas e balas de goma, na ordem que preferirem. Toda a verdade será jogada nos ventiladores e espirrará em suas faces ao final do espetáculo. E os banheiros são logo ali.
Aceite esta pequena bebida querida N. e a noite descerá mais suave, você vai gostar e no final de tudo, todos nós ainda iremos participar de um churrasco de domingo. Estamentar horas de certezas sobre assuntos que não fazemos a mínima idéia.

Concordaremos
e eu concordo:
tudo é um absurdo.

Costumo passar por cima de muita coisa, pessoa, inseto e buraco, sem grandes épicos sobre. Ainda quero mesmo aprender a guardar o que escuto, não o que vejo. Porque eu não sei desenhar. Mas eu conheci um certo um, certa vez. O homem fazia com a mão, o lápis e o papel, linha por linha, daquele jeito tremido, qualquer coisa que lhe viesse à idéia. E éramos jovens, essenciais, atemporais. Agora um homem não pode mais simplesmente expressar como deus lhe dá o mundo, tem que misturar, colorir, vetorizar, justificar e referenciar. Fazer o seu, o meu e o nosso. Tem que ser infinitivo demais pra mim. Soube que agora ele não rabisca mais um xis num mapa de pirata. Não sabemos mais onde está o ouro nem se queremos encontrá-lo. Não acreditamos mais em reflexos, ele e eu, porque nos barbeamos usando caleidoscópios.

eu me esparramo em non-sense
e deixo os acordes construindo paredes
embora nesse cenário noir
só mesmo Davis.

Quanto ele, a última que ouvi conta que gritava pela mãe com uma faca de cozinha nos pulsos,
de joelhos sobre o chão.
Me pergunto se poderia copiar uns daqueles desenhos. Deixo pra lá.

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