quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Idioteca

Parando assim para olhar pra cima eu percebo - já não fazia isso tinha um certo tempo. O céu ainda tem a marca dos fogos de dia desses, as manchas coloridas na tela preta, as naves alienígenas fazendo treinamentos acrobáticos e eu me pergunto se isso deixa os americanos em alerta. Mas só acho mesmo que eles só estão se preparando para o dia da independência de alguma coisa lá do planeta deles. O meu melhor amigo, um modelo X-114, bebeu demais, não acho que ele vá acordar ainda hoje. Ele odeia que eu chegue perto da janela, o psiquiatra já me explicou que faz parte da paranóia cibernética dos últimos anos. Esses modelos têm trabalhado demais, é fato. Dia raro esse, de sentar, beber e jogar war. Eu não tenho mais ninguém. Oficialmente, na verdade, eu não tenho ninguém. Nem acho que iremos viver o suficiente para ver atribuírem alma aos 114 ou outras peças. Demoraram do mesmo jeito com os animais, as mulheres, os negros, o mickey. Um dia, com certeza. A Joana falou disso quando foi embora, eu não devia me apegar a esse tipo de amizade. Agora eu não tenho mais ninguém. Ele trabalha demais, eu sei, mas me traz sanduiches e não faz perguntas não operacionais. Nós temos evitado falar das versões atualizadas. Odeio lembrar que o Frank é Beta, que eu vou ter que procurar um emprego, trabalhar para nos sustentar, ser o homem da casa e tudo mais. Sabendo do perigo que é deixar meu querido sozinho. Sempre me lembro de como foi horrível aquele dia da limonada, a marca de tinta do "Beta filha da puta" que ele escreveu na testa antes de beber todo o copo nunca saiu toda. Não foi muito depois da Joana ir embora com um grupo de zumbis de circo. Ela disse "vem comigo" e eu não fui, eu não podia ir, nem era pelo Frank, não. O Frank é só um X-114 Beta. O meu problema é com esses mortos-vivos. A gente esteve lá, a gente viu que não há nada, mas eles insistem em querer fazer sentido, ter um propósito, essas coisas de quem ainda se ilude com o pós-vida. Sair por aí levando a alegria para as pessoas, carpe diem, frase de efeito e... porra...circo? Mas eu não sei se estou muito mais certo em sentar e morrer de novo, enquanto meus dentes - digo efetivamente - caem e minha pele definha, sem metáforas.

Eu não fui com a Joana e não foi pelo Frank nem pelos zumbis e o pó de arroz ou os malabares. Eu até ria quando um braço voava junto da bolinha, eu não fui porque tenho medo. Medo e preguiça. Dessa coisa de viajar em estrelas cadentes, de fazer sexo num motel na lua, de passear por cidades metonímicas e discutir o clima sentado na calçada com entidades divinas. Ela me manda postais de vez em quando. Num deles a Casa branca é de fato um país inteiro e os Smiths são realmente vários homens e mulheres chamados de Smith.
Estranho a campainha ainda não ter tocado. Meu vizinho sempre vem me pedir gelo a essa hora. Vestido naquelas ligeries, apertando quilos e mais quilos de gordura suada e peluda. Eu até gosto dele, esperava que hoje ele viesse com uma daquelas máscaras de sexy shop. Nada até agora.
O céu está bonito, mas sem novidades, a cidade se movimenta por entre os arranha-céus, se confunde e nos confunde, a que aresta nós pertencemos nessa roda viva cheia de neons e rachaduras nucleares. O próprio diabo entrou no mercado publicitário e se esforça pra manter uma boa relação com os que frequentam seu pub, pode-se vê-lo cumprimentando afetado os mais assíduos. Merdas acontencem, e aos montes, e a céu aberto e em tecnicolor francês. Vê-se por aí os olhos e camas de gato nos cartazes dos cinema, se é que você me entende. Talvez o Frank tenha razão, talvez a Joana tenha razão, talvez meu vizinho. Certo, então. Eu vou ao quarto e provo algumas calcinhas deixadas pra trás, uma branca, elástico rosa, sem rendinhas com um arco-íris estampado. De frente ao espelho eu espalho pomada branca pelo rosto. Eu caminho assim até a cozinha e espalho molho de tomate ao redor dos lábios, expremo cinco limões, duas colheres de açúcar e duas doses de vodka falsificada. Frank, meu querido, você sabia tudo, só não sabia a receita. Um brinde a Joana e aos Zumbis felizes do reino encantado. Você vai beber, lata de sardinha, vai beber tudinho. Isso, assim,
apague esse stand-by,
deixe o uniforme
e deite aqui comigo,
você ganhou peso, Frank, andou comendo fora? A culpa é toda sua seu beta filha da puta. Fique assim,
eu quero sentir seus fios desencapando.
Você gosta não é seu sacana? Adeus, Frank. Me desculpe. Não podemos ser eternos assim, não podemos. Me desculpe. Mas aqui tem coisa demais que nós nunca nem vamos tocar, vamos pôr uma música e dormir, Chopin? Está certo, não há nada onde você está indo, assim como não havia quando eu fui, não se preocupe em me esperar. Só me abrace, Frankzinho sua merda enferrujada de semên. Me abrace e termine de morrer.

Um comentário:

  1. Quem foi que disse que não gostava de textos assim?
    Gostei! ^^
    uehueheuhuehuehuheuheue

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