terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A víscera do universo.

E então, após queimar todos os apartamentos de cada um dos cinco andares do condomínio mais central da cidade, caminho pela rua vazia e escura. uma ainda penteia-se frente ao espelho, por entre o fogo, outro apenas observa pela janela. não há gritos, apenas o crepitar dos trinta anos abrigando depressões, todos os seus fantasmas recentes e enlouquecidos pela solidão dos quartos pequenos, sujos e transtornados.
Sempre podemos sentí-las, almas que continuam sua vida na nossa. por isso, não se ouve uma voz. liquefaço-me, escorro pelos bueiros abaixo e carrego comigo todos os descartáveis papéis, lágrimas e abortos. levo tudo o que ninguém quer, diluo, dissolvo, misturo e devolvo.

já a chuva é ácida e a pele impermeável. meu corpo se estira no asfalto. no céu estira-se um lindo dia de sol branco. abrem-se as portas e cruzam-se os corpos. olhos, olhos, olhos e o chão rachado, apático me transmite calor, doenças e o dia de ontem. o chão não consegue dormir e a terra guarda rancor do pé que a pisou. ouve-se as máquinas mas não se vê.
a engrenagem se contorce como os dedos cruzados de minhas mãos sobre o meu peito. já estive frente as câmeras, me dividi em infinitos pedaços e fui jogado aos céus para voltar como uma massa vazia dentro da televisão. direto para seus olhos e eles direto para seu prato.

enquanto isso, por entre as engrenagens de meus dedos, passeia o verme.

esse carbono que sou faz aniversário de mais uma eternidade, sabendo ser isso apenas parte de uma vida sem infância, apodrecimento e morte. ego sum qui sum. porque nunca fui, nem nunca serei. sou, apenas.

Um comentário: