terça-feira, 17 de março de 2009

As Cicatrizes

Vinicius olhou-se no espelho. Marcas no rosto. Rugas e nódulos. O corpo doía. Ainda era jovem, não precisava daquelas rugas. Não deveria tê-las ali escondendo sua juventude. Os nódulos, esses sim, eram necessários. Necessários para demonstrar a sua masculinidade. Testosterona. Ninguém o faria de idiota. Isso nunca, ele não admitiria. Se alguém tentasse, pagaria caro. Pagaria com sangue. Derramaria vida. Apertou o tubo de pomada cicatrizante. Precisava curar aquelas feridas. Logo teria outras, aquelas precisavam sarar. Sarar antes que reabrissem. Era bem mais dolorido quando isso acontecia. Feridas reabertas não gerariam cicatrizes novas. Não gerariam um novo orgulho. Uma nova historia? Talvez. Mas quase sempre nem eram notadas, eram confundidas. Não era casado e nem precisava ser. Afinal, quem precisaria? Vivia melhor daquela maneira. Solteiro. Tinha alguns relacionamentos. Nenhum era especial. Nenhum o envolvia, o preenchia. Quando precisava de sexo, tinha alguém. Sempre teve. Pago ou não, teria o mesmo efeito. Já havia se apaixonado muito tempo atrás. Nome? Não era difícil de lembrar. Aquela mulher deixara cicatrizes importantes para lembrar. As melhores historias para contar. Linda era seu nome. Mas, depois de tantos anos, lembrar dela era reabrir cicatrizes. Desperdício de sangue. Desperdício de tempo. Não choraria por ela. Não sentiria sua falta. Não lamentaria. Se estivesse com ela, não faria a menor diferença. Assim ele queria acreditar. Assim era melhor. Sem perguntas a si mesmo. Sem duvidas. Verdade ou mentira? Nem ele sabia. Nem ele mesmo se conhecia. Estava cansado. Havia trabalhado mais que o normal. Os olhos pesavam. Precisava dormir. Mas antes precisava escovar os dentes. Checá-los um a um. Algum poderia estar faltando. Na última briga, entre xingamentos e chutes, dois, talvez três, socos acertaram seu rosto. Deveria tomar mais precaução. Queria cicatrizes e não, ficar desdentado. Vestia-se. Blusa cinza. Cueca preta. Duas cirurgias pela manhã. Dois pacientes e nenhum nome. Não se preocupava em saber. Não estava sendo pago para memorizar nomes. Era até melhor que nem soubesse. Assim seria mais profissional. Menos envolvimento, menos conversa e mais trabalho. Quanto mais trabalhasse, mais dinheiro receberia. Mais dinheiro, mais analgésicos, mais pomadas, mais cicatrizes. Seu raciocínio estava cada vez mais lento. A cabeça doía. Precisava dormir. Precisava esquecer das cicatrizes, da solidão, de Linda, do trabalho... Assim conseguiria dormir. Assim amanheceria logo e de manhã só lembraria do trabalho. Duas cirurgias. Mas naquele momento só precisava esquecer. Precisava relaxar. Deitou-se. Estava sonolento. Esqueceu-se de tudo o que tinha pra fazer. Esqueceu-se das cicatrizes, da solidão. Só não conseguia esquecer de Linda. Vestido branco. Unhas vermelhas combinado com o batom. Mulher e diabo. Unhas compridas arranhado suas costas nuas. Demônio que o assombrava. Envolvia-o. Confundia seus pensamentos. Sentimentos? Talvez, talvez. Olhos castanhos, cabelos ruivos. Pele clara. Desbotada. Pálida. Lagrimas escorriam pela sua face, molhavam o travesseiro. Ele não sabia porque chorava. Soluçava. Gritava. Adormecia.

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