quinta-feira, 19 de março de 2009

Encontro marcado.

Esses olhos claros de cristal, me parece um sair do tempo, parece que tudo parou e só há nós dois. Ah, como o tempo pára. Esses olhos transparentes de cristal. Parece-me, o universo é de um imenso branco leitoso, nós sobre um infinito vidro a nos encarar. Se eu estendo a mão eu sinto que posso tocar o nada, mas se não toco, sinto o vazio de que nunca irei nem ao menos estar próximo desse horizonte de papel onde nossos corpos se desenham. Esses olhos claros. Eu dou o primeiro passo e flutuo sentindo que posso transpassá-los, e posso.

Não há vertigem, não há prazer, o sentimento de estar suspenso, subir, descer, não há. Tudo aqui é horizonte, muito o que eu possa ver, flutuando no espaço, ao longe estrelas morrem e nascem, passam aqui e ali ao meu lado algumas esferas de pedra floridas, alguns cardumes de luzes...mas tudo é horizonte.
Do horizonte se descola uma estrela, balança devagar como se percebesse possuir a liberdade, meio círculo a direita, meio circulo a esquerda, um rodopio e me vê. Do infinito onde eu jamais chegaria, ela vem a caminhar, passos tímidos, tomando forma e me alcança. Por entre esse imenso brilho uma silhueta de mulher, pelo seu apagar, na altura do meu rosto, suas sandálias cor de vinho escuro subindo e se enroscando pela perna morena até uma longa saia rodada de veludo azul enfeitada com estrelas de papel laminado meio soltas como numa fantasia feita a mão. Minha estrela mulher segura uma rocha de flores amarelas que passeava devagar às suas costas e senta a me olhar, sorrindo:
- O que você acha que está acontecendo?
Ela me pergunta contando alguns fios dos longos cabelos escuros, a mesma cor dos olhos, que eu confundo com o céu pulsante ao redor, começo a achar que de seus cabelos se trança o tudo que eu vejo.
- Aqueles olhos claros de cristal...
Ela continua:
- Tinha esperança de que você entendesse.
- Eu nunca fiz questão de fazê-lo
- Não faça, não precisa.
- É que a ignorância...
- Isso, a ilusão.

Faz-se um silêncio, que eu quebro:

- Por que você...
- Tinha esperança...
- Sim, mas eu não sei.
- Foram tantas eras até aqui.
- Você veio de muito longe?
- Do seu horizonte.
- Eu sei. Sabe onde estamos?
- No meu horizonte.
- Eu sei... pergunto sem querer muito saber. Acho que só quero falar.
- Eu não quero voltar.
- Eu quero ficar.

(silêncio)

- Você acha que temos tempo?
- Eu sinto que vou morrer.
- Como é isso?
- Não sei descrever, ninguém sabe.
- Ninguém pode.
- Mas eu sinto muito a morte.
- Você já morreu muito?
- Talvez essa seja a primeira vez.
- Talvez você nunca tenha sentido.
- Talvez esteja sentindo errado.

Calamos e ela olha para o longe:
- Eu te amo.
- Eu quero te amar.
- Vem comigo?
- Até onde?
- Eu não quero deixar o seu horizonte.
- Eu vou.
- Vai demorar eras.
- Eu vou.

Eu abro os olhos flutuando sob o mar de lençóis brancos, sobre a cama branca, vejo o teto branco.
Os olhos fechados ao meu lado, claros como cristal, se abrem ao sentirem os meus:
- Eu não te amo mais.
- O quê?
- Preciso ir, preciso de eras até chegar.
- Chegar? Onde?
- Meu horizonte.
- Você volta?
- Se eu olhar pra trás...
- Não vai mais ver de onde saiu.
- Tudo desmorona a todo redor...
- Tudo se transforma.
Dos olhos ao teto, à janela, um longe, horizonte, ainda cintila a última estrela da manhã.

"Eras..."

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