sexta-feira, 20 de março de 2009

Algo sobre batatas.


Cinco e treze da manhã de quinta feira quando a formiga saiu para comprar batatas. Nunca havia feito isso antes, nem sequer entendia como uma formiga podia estar saindo para comprar batatas, de qualquer forma, no entanto, havia acordado naquela manhã com o estranho intuito. Batatas.
- Bom dia, quanto custam as batatas?
- Quem é você?
- Eu sou a formiga.
- Formiga de quê?
- Formiga de nada. Formiga, e pronto.
- Isso é absurdo.
- Absurdo é você estar falando com uma formiga.
- ?
- E ainda querer que ela tenha um sobrenome. Quanto custam as batatas?
- Cinco yennes o kilograma quadrado.

E como a formiga percebesse que não tinha dinheiro:

- O senhor pode simplesmente me dar as batatas e fazer três por nada?
- Isso não faz o mínimo sentido. Três por nada só pra uvas.

A formiga lembrava-se de ter comido uvas alguma momento na vida, mas quando acordara, acordara para comprar batatas.

- Quanto que o senhor disse que eram as batatas?
- Dez dólares o metro.
- E o quilograma quadrado?
- O o quê?
- O quilograma quadrado.
- Nunca ouvi falar de ninguém vendendo batatas desse jeito, quilograma quadrado só pêra.
-Eu não tenho dinheiro.
- Então vá trabalhar...

O fato é que a formiga trabalhara durante a vida inteira, mas a idéia de ganhar algo por isso era novidade.

- Agora se você quiser se retirar, o mercado está cheio e a senhora apenas ocupa espaço.

Não podia simplesmente ir embora, não sem as batatas. Enquanto se desesperava, uma voz pareceu-lhe conhecida. A cigarra estava a comprar batatas e, acima de tudo, com dinheiro, mais acima ainda, dinheiro dela, um pouco mais abaixo mas ainda acima de algo: Como podia uma cigarra estar comprando batatas?

A formiga não resistiu:

- Com licença...
- Você de novo?
- Desculpe, o senhor não acha um pouco absurdo estar vendendo batatas para uma cigarra?
- Claro que não, absurdo é você se chamar apenas formiga.
- Eu não vou discutir isso, mesmo porque tenho certeza que essa cigarra também não tem sobrenome...

E sorrindo:

- Claro que tenho.
- Era só o que me faltava, e qual seria?
- Smith.
- Cigarra Smith...?
- Sim , sim. Cigarra Rodrigues Smith.
- Meu deus...
- Viu só, uma cigarra e tem sobrenome.
- ...E dinheiro! De onde você tirou isso?
E a cigarra discorreu longamente sobre como havia desistido do meio artistico sem necessariamente sair do mundo artístico, "minha música era demais para o mainstream, sabe?""Agora eu trabalho com livros, no ramo editorial. Não é lá grandes coisas, mas sabe como é , tem esses invernos...

A formiga queria desmaiar, algo estava mais errado que de costume, precisava logo dessas batatas. " A propósito, estou acompanhando uma artista muito interessante, ela está se reinventando sabe, se adaptando ao contemporâneo, vai começar uma sessão de autógrafos daqui a cinco minutos ali na venda de carne". E com isso a cigarra se retirava levando as batatas.

Dos insetos falantes que compravam legumes, a formiga só tinha como companheira a ex- cantora, daí a decisão de tentar seguir os mesmos passos profissionais. A tenda de carnes era realmente um lugar movimentado, um lugar perfeito para autógrafos artísticos. Foi assim que o açougueiro anunciou:
- Hoje especialmente no açougue "o frango feliz" nós temos a ilustre presença da renomada personagem da literatura mundial, Alice , direto do país da maravilhas para lançar o seu mais novo best-seller, "Minhas tardes com Lewis", distribuindo autógrafos e comendo bistecas com os fãs. Na compra de um kilo de maminha você ganha, grátis, um exemplar do livro.
Ao fim do anuncio a outra caixa começa a falar:
- Atenção, atenção! somente hoje, em visita única, temos o prazer de receber aqui na feira o talentosíssimo artista Pequeno Príncipe respondendo às perguntas dos fãs sobre o seu novo sucesso de bilheteria "Te cativei, agora vai te fuder".
Cinco minutos depois o Pequeno Príncipe já havia autografado vinte livros e Alice respondido dez perguntas.
- Uma pergunta Alice?
- Mas eu estou dando autógrafos.
- Uma bisteca, por favor!
- O que você acha do trabalho do Pequeno Príncipe?
- Ele não faz o mínimo sentido.
- Mas esse frango tá muito magrinho
- Quer dizer... Ele realmente se chama Pequeno Príncipe?
- Eu ainda estou esperando aquela bisteca!
Enquanto isso a formiga ainda lutava para não ser pisoteada. O show business era selvagem demais para ela, decidiu procurar outras áreas, tentou telemarketing, vendas, informática e até saiu-se bem ajudando em pesquisas sobre nanotecnologia. Hoje sabe-se que ela tem trabalhado numa fazenda de batatas, ganha três centavos por dia e está a apenas um mês de conseguir juntar dez dólares.

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